sexta-feira, 23 de julho de 2021

                                     A CRISE CUBANA


           Cuba está vivendo hoje a maior crise desde a Revolução. Não é uma crise qualquer, está em jogo a sobrevivência do seu regime político. Dizia Gramsci, “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”. Tanto o bloqueio quanto o socialismo cubano fazem parte do velho.

Não há como analisar Cuba sem se referir ao abominável bloqueio imposto pelos Estados Unidos. Sua suspensão é parte da solução do problema cubano. O bloqueio dos Estados Unidos é irresponsável e condenável, e é um resquício dos tempos sombrios da Guerra Fria. Desde 1992, a Assembleia Geral da ONU vota esmagadoramente pelo fim desse bloqueio.

Os EUA nunca se conformaram por ter perdido Cuba da sua área de influência. Acham inaceitável um país socialista no seu quintal. Por isso, logo após a vitória dos guerrilheiros de Sierra Maestra, tentaram invadir a Ilha com tropas mercenárias. Foram derrotados em abril de 1961. No ano seguinte, o presidente Kennedy decretou o bloqueio a Cuba, que perdura até hoje. Trump determinou mais 243 novas medidas de bloqueio, até agora, não removidas por Biden.

  Mas é simplório e negacionista o discurso do governo cubano, que busca responsabilizar exclusivamente os americanos pela crise econômica e social do país. Ela tem raízes profundas na história e na natureza do socialismo cubano.

  Os manifestantes nas ruas reclamam da escassez de alimentos e remédios, problemas antigos e conhecidos. Reclamam dos apagões elétricos e mais recentemente denunciam o baixo acesso à vacinação contra a Covid. A pandemia também zerou uma das principais fontes de recursos do país, o turismo, fazendo com que a situação interna se agravasse. Não há como negar como justas essas reclamações. Nunca foi projeto do socialismo a igualdade na escassez.

Ao lado dos problemas reais, a internet se transformou em um poderoso instrumento de irradiação do descontentamento, mas também de organização e mobilização das manifestações.

Os cubanos clamam também por democracia e liberdade. Ou o regime encontra o caminho de reformas econômicas e políticas ou corre o risco de sucumbir. Ditaduras não são aceitáveis, nem as de direitas, tampouco as de esquerda. O socialismo nas atuais condições do mundo só é possível se incorporar uma nova plataforma que contemple a democracia, a liberdade e as novas demandas contemporâneas da cidadania global.

Após a morte de Fidel e a aposentadoria de Raul, os dirigentes cubanos iniciaram uma tímida flexibilização da economia e uma renovação na estrutura de poder porque sabem que é inescapável e urgente organizar uma transição do “socialismo real” para uma economia aberta ao mercado e para um sistema político democrático.

É importante ressaltar que para que as mudanças ocorram é imperiosa a suspensão do bloqueio. A pressão internacional sobre os Estados Unidos precisa avançar, tanto na ONU como opinião pública mundial. A suspensão do bloqueio fará com que Cuba se encontre com a sua verdade e avance nas reformas.

No caso da União Soviética, as reformas de Gorbatchov não chegaram a tempo, e o socialismo real desmoronou. A China reformou a economia, mas não reformou a política. Em Cuba, o povo nas ruas pode catalisar o processo de reformas, que já deveria ter ocorrido há quase 40 anos Não sei se Cuba tentará fazê-las, e com a profundidade necessária e se terá tempo para isso.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro e professor aposentado da UFMS

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