quarta-feira, 17 de março de 2021

 COMO ENTREI NO PCB.

Ângelo Arruda

(Esta crônica será publicada no livro Histórias que ninguém vai contar)

O ano era 1980. Eu tinha acabado de chegar em Campo Grande vindo de Recife-PE. Formado em arquitetura e urbanismo e comecei a trabalhar no escritório do arquiteto Jurandir Santana Nogueira (JSN) na Rua Pedro Celestino 306 e um belo dia de semana ensolarado eu conheci o engenheiro Fausto Matogrosso que fazia trabalhos de cálculos estruturais para o escritório do Jura (era assim que ele era chamado). Participávamos de uma reunião técnica de um projeto e eis que, imediatamente, Fausto me convida para participar da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Campo Grande (AEACG) que tinha sede na Rua Dom Aquino bem em frente às Lojas Americanas.

Na AEACG acabei conhecendo muita gente que se tornaram meus amigos como Edson Bossay, Frederico  Valente, Euclides de Oliveira, Paulo César e tantos outros. Essa galera era tudo militante ou simpatizante do PCB e eu não sabia. Um dia Fausto chega prá mim e diz: “olha queremos te convidar para participar de reuniões do partido. O que você acha?”

Eu que em Recife como estudante de cursinho tinha dado meu primeiro voto aos 18 anos a um deputado comunista e votado em Marcos Freire para o Senado em 1974 que era de esquerda, aceitei o convite e passei a integrar a “base dos engenheiros e arquitetos”.

Essa base se reunia na casa do engenheiro Nilson Teodoro na Vila Pioneiros, saída para São Paulo e era um grupo bem grande de militantes. Caio Nogueira, Caco Lobo, Nilson, Paulo César, Euclides, Fausto, Valente, etc. Era muito bom discutir política nacional e internacional alinhada com o pensamento socialista em plena ditadura militar. Isso era 1980 ainda.

Tempo passa, passeata, Diretas Já, carreata em defesa do Pantanal, tantas lutas e veio o ano de 1982 com eleições gerais para todos os cargos legislativos, para governador, mas o prefeito de capital ainda era indicado.

O ano de 1982 foi emblemático para mim no PCB. No primeiro semestre, eu, Paulão e Mauri, seu irmão, fomos de busão para São Paulo participar do VII Congresso do PCB que não chegou, contudo, a se realizar, pois a polícia invadiu o local e prendeu os participantes, que foram liberados logo depois. Voltamos para casas frustrados.  No segundo semestre, as eleições e fizemos uma campanha muito bacana, dentro do MDB (como o PCB estava na clandestinidade, todos os seus militantes atuavam nesse partido) e elegemos Fausto Mato Grosso, Marcelo Barbosa, diretamente com o voto dos comunistas e ainda ajudamos a eleger Juvêncio César da Fonseca (que acabou em 1985 se elegendo prefeito) e Waldemir Moka, todos vereadores de Campo Grande.

Nesse ano ainda teve bomba em banca de jornal da cidade e tínhamos grande preocupação com a polícia política. As nossas reuniões na casa do Nilson Teodoro, por exemplo, eram cercadas de mistério. Todos eram avisado por telefone fixo e cada um tinha uma hora prá chegar na casa, na realidade uma mansão dentro de um bairro de classe baixa, com muros altos, grandes portões e a gente sempre entrava lá desconfiado.

Esses tempos foram muito importantes para a minha formação política de esquerda no campo socialista e a abertura de uma rede enorme de amigos e amigas que mantenho até os dias de hoje.

ÂNGELO ARRUDA – arquiteto e urbanista, professor aposentado da UFMS

 

Um comentário:

O caminho se faz ao caminhar disse...

Quanto tempo, Professor Ângelo Arruda! Fico feliz de ver seu depoimento sobre seu ingresso no PCB, e logo num período emblemático, em que o regime de 1964 teimava em resistir ao desmoronamento, sobretudo pela erosão do apoio dos setores que o conceberam mediante golpe.
Depois de nosso encontro, ainda na década de 1980, e nosso reencontro durante a luta pela reativação do Trem do Pantanal (quando a "Ferroviva" era o carro-chefe do movimento popular em todo o estado), tive a honra de saber que duas de minhas irmãs o conheceram e tiveram estreito contato com Você, e mais tarde um de meus sobrinhos foi seu aluno, e mais tarde discípulo, no curso de Arquitetura e Urbanismo, na UFMS...