sábado, 29 de agosto de 1998

O PAPEL DA EXTENSÃO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

(Exposição feita na UnB, em janeiro de 1996 (?)durante Fórum de Extensão do Centro Oeste)
Inicialmente devo dizer que, no fundamental, não farei uma abordagem de cunho epistemológico como o tema sugere. Em um encontro como este, de gestores de políticas de extensão das universidades do centro-oeste, a contribuição mais positiva que posso dar é a de externar algumas reflexões, embora singelas, originadas no cotidiano da nossa prática universitária. Serão reflexões sobre como se problematiza entre nós a extensão e a sua relação com a produção universitária. Tenho certeza que são contribuições modestas, principalmente diante daquelas que esta nossa reunião recolherá de alguns dos nossos conferencistas, reconhecidos estudiosos da prática extensionista das universidades brasileiras.
Falo, principalmente, como um gestor e não como um investigador. Minha contribuição é mais no sentido de colocar inquietações e dúvidas que, por certo, serão comuns a muitos dos pró-reitores aqui reunidos. Se eu conseguir colocar claramente as questões que nos provocam como administradores, ou seja, a nossa pauta, acho que terei cumprido o meu papel.
Primeiramente gostaria de definir um ponto de partida para as nossas reflexões. A Constituição de 88, no artigo 205, fixa como objetivo da educação o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. São três conceitos chaves: pessoa (aí incluida a individualidade), cidadania e trabalho.
Tenho convição que esses três conceitos não podem ser analisados genericamente, necessitando sim serem objetivados em relação a uma dada sociedade e a um determinado período histórico. Precidamos procurar entender como se coloca hoje, na sociedade brasileira, a pessoa, o cidadão e o trabalhador. Compreender o tempo em que vivemos é, portanto, fundamental para respondermos o papel da educação e o papel da extensão universitária.
Nesse sentido, é importante observar que a partir dos anos 60 o mundo começou a viver uma importante transição rumo a um novo paradigma produtivo. Na raíz desse processo estava a Revolução Científico-Tecnológica - conjunto de novas tecnologias levadas à produção como a informática, a micro-eletrônica, a telemática, a biotecnologia, os novos materiais, a química fina, etc.
Se a Revolução Industrial, simples utilização de máquinas na produção, havia produzido a modernidade do Séc. XX, o que esperar agora da utilização de computadores, de robôs e de sensores eletrônicos no processo produtivo ?. Fazendo uma comparação singela, enquanto aquelas respresentavam simples extensões do braço do homem, estes últimos representam verdadadeiras extensões do cérebro e dos sentidos do homem no processo produtivo.
No plano econômico as mercadorias passam a valer mais pela densidade de informação que contém do que pela quantidade de trabalho direto empregado na sua produção.
A velocidade da produção do conhecimento assume escala cada vez mais acelerada. Futurólogos apontam que no ano 2020, o acervo de informação da humanidade estará sendo duplicado a cada 83 dias, as profissões não teriam mais do que 9 anos de duração e as especializações tempo ainda menor.
A história da humanidade, no fundamental, tem sido a história da maneira como se trabalha. O impacto desse salto tecnológico, está mudando, profundamente, a forma de trabalhar, consequentemente transformando também todo o conjunto de relações humanas dela decorrentes, inclusive as que definem a individualidade, a cidadania e as relações de trabalho. Tão profundas as tranformações que há quem diga que passamos a viver uma crise de civilização. Crise naquele sentido de que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu. Hobsbawn, por exemplo, afirma que o século XX já terminou no começo dos anos 90.
Vivemos hoje as dores do parto de um novo ciclo civilizatório marcado por inúmeras possibilidades humanizadoras, mas ao mesmo tempo ameçador de exclusão de milhoões de seres humanos. No plano social e político, longe deste momento representar o “fim da história”, acredito que a nossa e as próximas gerações serão atingidas por graves convulsões sociais, prenunciadoras de novos ordenamentos societários. O mesmo Hobsbawn nos sinaliza que, “entre 1970 e 1991, dá-se o “desmoronamento”, quando caem por terra os sistemas institucionais que previnem e limitam o barbarismo contemporâneo, dando lugar à brutalização da política e à irresponsabilidade teórica da ortodoxia econômica, abrindo as portas para um futuro incerto”.
Chamemos essa nova realidade de “sociedade da informação”, “pós moderna”ou “pós-industrial”, a verdade é que o mundo está sendo redesenhado, ainda que entre nós, como é comum em nossa história, este processo se apresente tardiamente.
Nessa nova realidade como será o processo de produção do conhecimento? Será possível pensar o desenvolvimento científico e tecnológico baseado apenas na produção das Universidades ? Que papel estará reservado para a Universidade e para a produção universitária ? Surgirá uma nova praxis universitária ? Estará a Universidade, política, acadêmica e adminstrativamente preparada para os seus novos papéis? E é dentro deste contexo que devemos nos perguntar qual será o novo pardigma da extensão universitária ? Estas questões, para as quais não tenho resposta, mais cedo ou mais tarde teremos que desvendar.
Minha fala daqui para frente tem que ser entendida no seu claro carater provocativo. Longe de mim ter respostas para tão complexas questões. Lanço então algumas opiniões, em forma de teses, muito mais para abrir algumas polêmicas e tensionar as discussões no rumo dos novos paradigmas que precisam ser construidos.
Primeira tese: embora de maneira desigual, a humanidade está revolucionando a maneira de apropriação do conhecimento, fruto da utilização de novas tecnologias de informação.
É só observarmos como nosso filhos se relacionam com os video-games, com os computadores, como se sociabilizam pela plugagem em redes, que podemos sentir, em alguma medida, o que está por vir.
Se tentarmos, com eles disputar a eficiência no acesso às informações através desses meios eletrônicos, por certo, estaremos condenados à derrota. Enquanto, cartesianamente, buscamos os caminhos na leitura dos manuais dos equipamentos e dos softwares, eles, usando a prática da experimentação em alta velocidade, do acerto e do erro, vão nos deixando rapidamente para trás. Alguns cientistas tem realizado estudos que apontam até o surgimento de novos mecanismos de elaboração mental nessas novas gerações.
Acredito que a educação formal, terá, mais cedo ou mais tarde, que adaptar-se, radicalmente, a essa nova realidade. A educação, ao que parece, tenderá cada vez mais a exigir a experimentação. Talvez estejamos caminhando rumo a uma nova valorização do empírico, mas agora isso acontecendo em um nível superior, com a utilização de instrumentos de simulações, hoje disponíveis, como a realidade virtual.
Como a experimentação tem acentuado carater individual, um multiplicidade de caminhos serão percorridos, pelo diferentes atores, na construção do conhecimento, com um fortalecimento da individualidade e ampliação da diferenciação.
Entretanto, em um aparente paradoxo, a produção do conhecimento e o acesso às informações se darão em uma escala muito mais ampliada socialmente. A relação entre os centros produtores de conhecimento, e a sociedade, tenderá a ser muito mais íntima..
Logicamente os riscos da alienação, do desligamento do real, serão enormes, mas para enfrentá-los teremos que ter em conta esta megatendência e a ela respondermos adequadamente. Fazer essa ponte entre o “virtual” e o real da sociedade, será uma das funções da extensão universitária.
Segunda tese: A experiência de construção da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, clama por uma crítica que aponte na superação dessas categorias por conceitos mais globalizadores.
Começemos pela simulação de uma questão muito próxima da nossa experiência administrativa. O que aconteceria, em nossa Universidade, com um programa ou projeto que fosse formatado com o nível de indissociabilidade, que na nossa retórica corrente costumamos cobrar ? Tenho a segurança em responder por todos os pró-reitores presentes: tal projeto teria imensa dificuldade para conseguir aprovação nas instâncias das nossas universidades. E isto aconteceria, fundamentalmente, porque à retórica da indissociabilidade não corresponde uma estrutura de adminstração acadêmica voltada para a construção dessa integração.
Mudar essa realidade, com certeza, não é fácil, afinal, as diferentes pró-reitorias, com todo o seu acervo de normas, comissões, burocracia, etc, são espaços de poder.
Sinto que o próprio conceito de indissociabilidade contém, muito fortemente, a idéia de que ensino, pesquisa e extensão são, e devem continuar sendo, funções diferenciadas. Parece ser necessário construir um novo conceito mais ligado à idéia de unidade do processo de construção e democratização do conhecimento.
Terceira tese: Com a rapidez com que caminha atualmente a produção do conhecimento, a idéia do curso universitário como ponto terminal precisa ser definitivamente arquivada em benefício da idéia da educação continuada.
Cada vez mais afirma-se o papel da Universidade como formadora do espírito crítico e da capacidade investigativa do aluno, em contraposição à escola repassadora de informações, técnicas e habilidades.
Em uma sociedade que duplica o conhecimento acumulado a cada 8 anos, como acontece atualmente, de que valem as informações que possamos repassar hoje aos nosso alunos? Ao que parece, à curto prazo, ficará superado o papel das Universidades, como chanceladoras cartoriais de profissionais prontos e acabados. Ensinar a aprender hoje e a continuar aprendendo pelo resto da vida é a tarefa que se cobra hoje da educação.
Nesse sentido, os diversos currículos universitários devem ser repensados. É necessário que se cuide, básicamente, de promover uma sólida formação conceitual em relação aos fundamentos científicos da área profissional específica (parte mais estável), de capacitar para a utilização do método da ciência (para capacitar o profissional à apreensão permanente do conhecimento novo), de preparar para o domínio dos códigos de comunicação (expressão oral, linguas estrangeiras, informática, etc) e desenvolver, durante a formação, as responsabilidades sociais inerentes à cidadania.
Mas como a prática profissional também precisa das informações e metodologias permanentemente atualizadas, a universidade será, cada vez mais, cobrada a realizar a reciclagem profissional. Se ela não assumir este papel, outras instituições o farão.
Está aberto portanto um amplo campo de interação da universidade com a comunidade profissional por ela formada, de alta importância para o desenvolvimento do país. Ao mesmo tempo essa relação exigirá da universidade uma atualização permanente em relação à realidade da sociedade, nos seu diversos aspectos.
Quarta tese: O esgotamento do modelo de desenvolvimento brasileiro torna a Reforma do Estado uma necessidade objetiva, demandando um novo papel para as instituições públicas e impondo às uiniversidades, a busca de nova relações que lhe relegitimem perante a sociedade, demandando-se assim novas responsabilidades para a extensão universitária.
Nas discussões que se travam atualmente sobre a Reforma do Estado e de seus impactos sobre a Universidade, é comum atribuir-se todo esse processo à uma articulação que decorre imediatamente do “Consenso de Washington”. Tal idéia, bem de acordo com uma visão conspirativa da história, é muito simplista. Imagina-se que uma reunião de alguns funcionários governamentais, com dirigentes de alguns organismos financeiros internacionais, e de algumas empresas multinacionais possam dirigir, ao seu bel prazer, todo o desenvolvimento da história.
Na verdade, o processo que vivemos tem origem mais profunda, na própria reorganização produtiva produzida pela Revolução Científico-Tecnológica. Em Washington, o que se fez foi, a partir da percepção dessa realidade, tentar trabalhá-la segundo os interesses daqueles grupos hegemônicos. Enquanto isso nós fechamos os olhos a essa transformação profunda e passamos a “jogar na defensiva”, tentanto perpetuar instituições com formatos que correspondiam a etapas ultrapassadas do processo histórico.
Sem ceder às ilusões ou ao idelogismo do “estado mínimo”, é preciso reconstruir o Estado brasileiro, para que ele seja, de fato, público, democrático, moderno, eficiente e sirva ao bem comum. Seguramente este novo Estado, pela natureza das transformações civilizatórias que estamos assistindo, precisará, cada vez mais de instituições de produção de ciência, de tecnologia, de educação e de cultura.
A Universidade deve então buscar afirmar o seu papel junto à Sociedade. Para isso precisa, preliminarmente, avaliar-se e eliminar seu bolsões improdutivos, ociosos, alienados e parasitários. Fazer um corte radical com o corporativismo que, no fundo, é uma forma de privatização da universidade.
A partir disso poderá, então, reforçar sua função de produtora de conhecimento e sua relação transformadora com a sociedade, comprometendo-se com a solução dos graves problemas do País e da sua inserção, não subalterna, nessa nova ordem em formação.
E aí, não se pode, em uma reunião realizada na UNB, deixar de lembrar o Prof. Darcy Ribeiro em seu discursso de posse como primeiro Reitor desta Universidade, nos idos de 64, quando ele nos ensinava que o papel da Universidade era “pensar o Brasil como problema”. Mais de três décadas depois, radicalizar este compromisso continua a ser uma tarefa atual para todos nós. E falar desse assunto é naturalmente falar de extensão universitária, é falar de conhecimento exercendo uma relação transformadora com a sociedade.
Cumprido esse desafio, teremos fortalecida a nossa legitimidade na sociedade e passaremos a tê-la como aliada em nossa luta para afirmar nossa condição de instituição útil e imprescindível à construção de um projeto humano mais decente neste ponto do planeta.

FRANCISCO FAUSTO MATTO GROSSO PEREIRA

Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Estudantís da UFMS

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