quinta-feira, 9 de julho de 1998

ZERO PARA O PROVÃO

No próximo domingo 45 mil formandos de engenharia, de administração e de direito estarão indo às provas. Segundo o MEC o objetivo desse exame é o de fornecer elementos para a avaliação das Universidades. Após intenso e falacioso trabalho de mídia, este processo, aos olhos da opinião pública, aparenta ser altamente legítimo. Entretanto esta aparência não resiste a uma mínima discussão. Por isso o Governo lançou o “provão” através de mais uma medida provisória, criando uma situação de fato que, pela tradição, nosso Congresso, subserviente, não tem sido capaz de desmanchar.
Hoje, transformada em lei, o “provão” sofre severas críticas nas Universidades. Contra ela se manifestou o Conselho de Reitores, a Associação dos Reitores da Universidade Federais, os Colegiados Superiores das principais universidades brasileiras (como a USP), a UNE e quase toda a opinião universitária.
Antes de mais nada é importante salientar que este governo sabe tudo sobre Universidade. Sabe de todos os nossos pontos fracos. A origem do Presidente e de outros quadros ilustres dos ministérios nos dão esta certeza. A Universidade está devendo à sociedade em questão de transparência e avaliação. O governo sabe disso e usa então tal fato para isolá-la politicamente e golpeá-la com uma avaliação que não avalia nada e tem objetivos escusos.
É impossível avaliar um conjunto de alunos, com uma única prova de três horas. O próprio vestibular, com todas as suas imperfeições, faz isso com pelo menos 4 provas de três horas. Aliás é importante recordar que o Ministro da Educação, no início de sua gestão, apontava que o vestibular deveria ser processual, ou seja, avaliar os alunos no decorrer do segundo grau, como, experimentalmente está fazendo a UnB.
Há hoje uma diversidade muito grande de currículos de cursos que oferecem a mesma habilitação, sendo que a parte do currículo mínimo (que é objeto do provão) é geralmente um sub-conjunto muito menor do que de fato é ensinado nas boas universidades. Avaliar com a mesma prova, todos as Universidades é nivelar por baixo, e o que é pior, em cima de conteúdos fixados há mais de 20 anos, pelo menos.
Segundo a orientação do MEC, tomando o caso a engenharia, a avaliação conterá uma série de “questões abertas, que contemplem situações usuais da Engenharia Civil e permitam a avaliação de problemas e proposição de soluções..” Ora, qualquer engenheiro sabe que um problema real de engenharia não admite solução única e, neste caso, considerando o conjunto de engenheirandos a serem avaliados, cada grupo será avaliado por pessoas e por critérios diferentes, o que inviabilizaria qualquer comparação entre as instituições.
O governo diz que o exame nacional de cursos é apenas um entre outros instrumentos de avaliação que serão usados. Mas cadê os outros ? O MEC só começou a usar este argumento após ser ridicularizado nas suas pretensões de avaliar universidades com prova de seus alunos.
Está claro para as Universidades que alunos e instituições não podem ser avaliados como uma fábrica avalia a qualidade dos parafusos que produz. Quem quer avaliar para conhecer problemas e corrigi-los tem que avaliar os processos e não os produtos finais. As Universidades precisam ser avaliadas na sua produção científica, na adequação dos seus cursos às necessidades da sociedade, nas suas condições materiais de funcionamento (laboratórios, equipamentos, instalações, ) nas condições oferecidas aos seus recursos humanos (salários, incentivos, reconhecimento social, etc). A verdadeira avaliação universitária é um processo extremamente complexo, que nem de longe é atendida pelo exame nacional de cursos.
Enfim, seria possível elencar uma infinidades de críticas técnicas ao provão, como já consta de inúmeros documentos universitários oficiais. Entretanto, mais importante é identificar os verdadeiros propósitos políticos dessa medida.
A história recente da Universidade mostra que desde o tempo em que o PFL era dono absoluto do Ministério da Educação (Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Hugo Napoleão, etc), passando pelo período Collor (Goldemberg), existe a idéia fixa de diferenciar as instituições universitárias. Algumas continuariam como tais., outras seriam descredenciadas transformando-se em simples escolas do terceiro grau.
Mas o que sempre foi um idéia (repudiada) começa a tornar forma concreta no governo FHC. A superficialidade e a pressa da avaliação que propõe só pode ter uma explicação: documento recente do Banco Mundial sobre a educação superior no Brasil sugere, com todas as letras, que não podemos continuar com todas as instituições universitárias sendo multifuncionais (ensino, pesquisa e extensão - como prevê nossa Constituição) bem como indica a cobrança de anuidades como fonte para a manutenção das universidades.
Isto significa que algumas poucas instituições continuariam universidades e as outras seriam descredenciadas. As primeiras seriam aquelas que já tem produção científica importante. Quem já estivesse bem seria privilegiada com recursos (aquelas dos centros mais desenvolvidos). As da “periferia”, como a nossa UFMS, estariam condenadas a ser simples instituições de ensino, incapacitadas de produzir ciência e tecnologia para o nosso desenvolvimento regional.
Esse governo que “sabe tudo” não consegue olhar nos olhos da Universidade Brasileira quando discute avaliação. Porque a sua mascara, para nós, já caiu.
O “provão”, embora ele negue, é para fazer o “ranking” das Universidades para depois diferenciá-las com recursos e status institucional. Aí, convenhamos, o “ranking” da Playboy é mais interessante.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, professor da UFMS

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