segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

INTROMISSÃO E SUBMISSÃO (*)

Emenda parlamentar é um assunto que não deveria ser comentado na sala, em frente das crianças. Entretanto, esse foi tema mais noticiado neste começo de ano, pela mídia escrita e eletrônica que entra nas nossas casas. Trata-se do recanto mais escuro e de pior cheiro da política brasileira.
Naturalmente não me refiro às pessoas, mas sim a uma situação estrutural, que precisa ser desnudada, para ser mudada. Isso é importante até para que políticos íntegros e bem intencionados, imagino que eles existam, possam escapar desse lodaçal.
Legislativo é legislativo e executivo é executivo essa deveria ser a regra básica. Harmonia mas independência é o mandamento constitucional.
O parlamento, na sua tarefa de acompanhamento e fiscalização do Executivo, deveria se dedicar a avaliar o alcance finalístico dos programas e projetos realizados, ou seja, saber se o dinheiro público serviu para melhorar, na ponta, a vida das pessoas.
Deveria avaliar se os recursos foram distribuídos pelos critérios técnicos previstos nos programas, de maneira transparente e republicana, ou ao contrário, se serviu para politicagem barata, tão cara para o bolso do contribuinte.
Essa deveria ser a preparação para a análise qualificada e para a decisão a respeito do que pede o Governo para o ano seguinte, cortando programas de baixa efetividade, fortalecendo aqueles que melhor atendem as necessidades dos brasileiros, equilibrando, com a responsabilidade do mandato popular, a distribuição dos recursos entre os diferentes programas, funções e ministérios. Ou seja, tratando do projeto de orçamento nos seus delineamentos maiores, a partir de uma visão de desenvolvimento nacional e combate aos desequilíbrios regionais.
A partir daí, o Executivo deveria ser liberado, sob fiscalização, para exercer o seu papel de governar. Fora disso seria intromissão indevida do Legislativo em assuntos que não lhe dizem respeito, e para o qual, embora venha revelando apetite, não tem aptidão.
A emenda parlamentar é um instrumento de interesse dos Executivos para controlar os Legislativos, mas também, dos legisladores para viabilizarem as suas respectivas reeleições.
O orçamento é apenas uma lei que autoriza o governo a gastar em determinado projeto, mas não impõem a decisão de fazê-lo. A partir da proposição das emendas algumas coisas começam a acontecer. Os parlamentares vão para os estados e municípios para montar o jogo, com toda a cobertura de mídia, com governadores, prefeitos e entidades, o famoso “me engana que eu gosto”. Já o Executivo cria o famoso tabuleiro do franciscanismo do “é dando que se recebe”, do “toma-lá dá-cá”, do “amor remunerado”, seja lá o nome que se queira dar.
Depois vem a realidade. Das emendas parlamentares somente uma parcela ínfima é liberada, assim mesmo mediante chantagem nos momentos das votações decisivas para o Governo. É a hora em que o computador do Planalto pega fogo, selecionando quem pediu o que. Assim a ponte para Cabrobó, ou a ambulância para Nossa Senhora da Mata a Dentro, são trocada por votos na CPMF e coisas tais. Pior, isso acaba valendo tanto para a situação como para a oposição de conveniência. É o que nós sempre vemos, mas nem sempre entendemos.
Durante a execução dessas disputadas emendas o escândalo é ainda maior. As emendas têm “donos”, mesmo aquelas de bancadas são distribuídas para “donos” virtuais. Esse é o reino do baixo clero, a Sapucaí da política brasileira, que tão exposto ficou nos escândalo dos anões do orçamento, das ambulâncias, da Gautama e tantos mais.
Essa é uma lição que deveria ser ensinada na escola primária: não vote em parlamentar que diz que vai trazer dinheiro para o estado. Vote em que vai fiscalizar a lisura e a qualidade das ações dos governos, a transparência e o uso mais adequado dos recursos dos impostos, que vai contrapropor diretrizes, programas, projetos e ações que mais implicam em mudanças na vida do brasileiro.
Quanto a mim, desde criancinha, sempre senti urticária cívica diante do discurso de trazer dinheiro para o estado. Tem doenças das quais a gente nunca consegue se livrar.

Fausto Matto Grosso

(*) Artigo originalmente publicado em 17 de fevereiro de 2008, no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br), de Campo Grande (MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.

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