domingo, 15 de abril de 1984

O PODER POPULAR E O SISTEMA ELEITORAL

(Depoimento de Viagem (X) – Jornal da Cidade 15/04/84 )
“Primeira vez que em Cuba se celebran unas eleciones sin bayonetas y sin fusiles a las puertas de las escuelas. Y esto es lógico, porque estas no eran elecciones de rapinã, no era una pugna por repartirse un botín, sino las elecciones del pueblo revolucionário.” (Fidel Castro – 1974 )
Pegar “carona”em excursões alheias é macete que todo turista econômico utiliza. Usando tal expediente incorporei-me por um dia a u grupo de advogados brasileiros cuja programação em Cuba incluía uma semana de palestras na Universidade de Havana. Na Faculdade de Direito, local onde o universitário Fidel Castro Ruiz iniciou sua carreira de agitador, assisti a longa exposição de um renomado constitucionalista sobre a estrutura do Estado cubano. Sem dúvida posso afirmar que foi esta uma das atividades mais aproveitáveis que tive durante minha viagem.
O Estado cubano tem uma estrutura unitária mas, descentralizada. Cada cidade tem sua Assembléia Municipal do Poder Popular, órgão máximo do poder dentro do município. De forma semelhante, a nível da Província existe a Assembléia Provincial do Poder Popular e nacionalmente a Assembléia Nacional do poder Popular.
Os membros da Assembléia municipal são eleitos em cada circunscrição eleitoral em que é dividido o Município, após terem sido lançados pelas organizações populares (Comitês de defesa da Revolução, Sindicatos, Federação das Mulheres, etc..) ou pelo Partido Comunista. Os representantes devem prestar contas semestralmente a seus eleitores em reuniões especialmente convocadas para esta finalidade sendo seus mandatos revogáveis, em qualquer tempo, no caso de não estarem satisfazendo a expectativa dos seus representados.
O Poder Municipal é altamente fortalecido, sendo ele o encarregado de eleger (indiretamente portanto) os delegados à Assembléia Provincial e deputados à Assembléia Nacional do Poder Popular.
Em qualquer nível, a função de representação política não é remunerada, seja de representante municipal, provincial ou nacional (Deputado). O representante continua recebendo seu salário normal e também não se afasta de suas atividades na produção, a não ser em casos especiais ou nas ocasiões das reuniões da Assembléia a que pertence.
O Estado cubano é unitário, não existindo uma nítida diferença entre o poder executivo e o legislativo, sendo sua estrutura , quer a nível municipal, provincial ou nacional semelhante a parlamentarista. A Assembléia Municipal escolhe entre seus membros um Comitê Executivo, órgão permanente, coletivo, que coordena a atuação das diversas Direções Administrativas (equivalentes às nossas Secretarias Municipais). A mesma estrutura repete-se a nível da Província e Nacional, só que neste último caso o Comitê Executivo denomina-se Conselho de Estado e as unidades administrativas são os Ministérios. A articulação dos diversos Ministérios se faz através do conselho de ministros. O número dos ministérios, bem como das direções administrativas municipais e provinciais ( equivalentes às nossas Secretarias Estaduais ou Municipais) é bastante grande , refletindo uma maior complexidade da gestão do Estado Socialista, decorrente tanto do planejamento centralizado como da propriedade social dos meios de produção. Assim temos Ministérios como o da indústria Sídero-Mecânica, da Gastronomia(cuida da alimentação e dos restaurantes), da Construção, do cinema, da Atenção à Infância, do Comércio, etc.
Ë interessante ressaltar que, embora as Direções Administrativas Municipais (ou Provinciais) se subordinem politicamente às Assembléias Municipais do Poder Popular (ou Provinciais), são estabelecidos, entre os organismos semelhantes dos diversos níveis do Poder, uma hierarquização e uma integração pelo planejamento centralizado. Assim, por exemplo, a Direção Administrativa Municipal de Saúde se subordina à Assembléia Municipal (que a escolheu) mas se articula profundamente no seu trabalho técnico com a Direção Administrativa Provincial de Saúde e com o Ministério da Saúde. Este tipo de integração dá um caráter descentralizado mas unitário do Estado Cubano, permitindo ao mesmo tempo o controle local (portanto mais democrático) de todos os serviços mas dando uma eficiência invejável a toda sua máquina administrativa.
Uma situação que chama a atenção na política cubana é a grande influência das organizações populares e do Partido Comunista na estrutura de Poder do país. O Secretário Geral da Central de trabalhadores de Cuba (C.T.C) , mesmo não sendo membro da Assembléia Nacional, tem direito garantido de participação nas sessões do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros. As direções nacionais das diversas organizações populares (Central de Trabalhadores de Cuba, Associação Nacional de Agricultores Pequenos, Direção Nacional dos COR’S, Federação das Mulheres Cubanas, Federação Estudantil Universitária, etc.) podem Ter, em igualdade de direitos com qualquer deputado, o poder de iniciativa para apresentar projetos de lei, direito que também goza qualquer grupo de 10.000 eleitores.
A percentagem de militantes do partido Comunista e da União dos Jovens Comunistas nos órgãos do Poder Popular varia com o nível da representação. Nas Assembléias Municipais é da ordem de 58 por cento, das Assembléias Provinciais e cerca de 75 por cento e na Assembléia Nacional em torno de 85 por cento. Analisando esta alta presença da militância comunista no Poder Popular, Fidel Castro, Presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros, argumenta que isso é conseqüência da rigorosa seleção dos quadros do PCC , que recruta e forma os trabalhadores mais conscientes, mais avançados, a vanguarda da classe operária e da intelectualidade, os cidadãos exemplos em termos de convivência no local de trabalho e de moradia. Pena que os comunistas que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

FAUSTO MATOGROSSO

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