domingo, 5 de fevereiro de 1984

SOCIALISMO COM MOTEL

(Depoimento de Viagem II – Jornal da Cidade 5/02/84)
Quem espera , ao chegar à cuba, encontrar fardados e barbudos, fumando charutos , engana-se redondamente. A época dos guerrilheiros já passou. Hoje a Revolução encontra-se totalmente institucionalizada, sendo uma questão que diz respeito a todo o povo e não apenas aos que subiram à Serra Maestra.
Aos antigos combatentes, novas tarefas se impuseram. A maioria trocou o fuzil pelas responsabilidades de dirigir o país. Trabalho tão duro quanto ao da luta revolucionária . Transformar suas bandeiras, não mais que idéias, em realizações concretas beneficiando o país e o povo. Um exemplo disso , foi o próprio comandante Che Guevara nomeado Ministro do Interior. Guevara, dotado de uma energia muito grande , trabalhava até altas horas da madrugada. Sempre que se passava à noite em frente ao prédio do Ministério, lá estava acesa a luz de sua sala. Hoje , postumamente, numa alusão à sua presença e contribuição à edificação do socialismo Cubano, a sala continua permanentemente iluminada, numa homenagem cheia de significado e que emociona ao povo cubano e , especialmente aos turistas.
As barbas, também não as encontrei tão difundidas. Talvez até menos do que se vê por aqui. Indagando ao respeito, recebi a explicação de que o guerrilheiro barbudo é a imagem do herói da revolução e que os jovens sentem-se constrangidos em usar barba ao parecer uma atitude pretensiosa e exibicionista.
Os charutos sim, por toda a parte, os que ofereceram ao turista eram caríssimos, um dólar cada (CR$ 1000,00) mas provavelmente havia alguns tipos mais populares ,pois, muitos eram as pessoas do povo que os fumava, nos ônibus, no trabalho e nos restaurantes.
Havana é uma cidade com muito movimento, e ao contrário do que acontece em outros países socialistas, com muita vida noturna. É a cidade mais musical que já conheci. Na maioria dos bares e restaurantes, já a partir do horário de almoço , tem-se música ao vivo, tanto regional como internacional – brasileira inclusive.
Em muitas ruas existem afixados aos postes, alto-falantes pelos quais se transmite a programação dos rádios, inundando de música e noticiário a vida da cidade.
Nos bares e restaurantes, e são em grande quantidade, quase sempre tem-se que enfrentar filas e fazer reservas.Isto explica-se pela democratização do acesso do povo à diversão e ao lazer.
Interessante, é citar a afluência da população aos salões dos grandes hotéis internacionais. Vão para assistir a TV à cores, cobiçar as vitrines de produtos estrangeiros , conversar com os turistas e dançar. Após as 10 horas da noite, muito dos restaurantes se transformam em “dancing’s” populares e a rumba come solta. Aliás, um ritmo muito requebrado para o meu gosto.
Passamos o “revellion”em um dos vários salões de festa do Hotel Havana Libre antigo Havana Hilton. O ambiente, cheio de turistas, ainda estava muito contraído quando começaram a lançar as serpentinas. Vinham do lado do bar. Eram os garçons que , incomodados com a falta de entusiasmo dos freqüentadores tentavam animar o recinto. Após servirem a ceia (tutu de feijão, arroz, carne de porco e doce de goiaba) os garçons já de “ponta cabeça”, afetados pelo run, caíram na rumba juntamente com os turistas, numa descontração inconcebível em qualquer sociedade de classes sociais.
A rumba tem seu grande palácio no famoso Cabaret Tropicana, existente desde antes da revolução. Trata-se de u grande ambiente, parcialmente coberto, cheio de palcos que se entrelaçam no meio das mangueiras e plantas tropicais. O show é riquíssimo, com inúmeros participantes: dançarinas, cantores, orquestras e coros. O espetáculo mostra o requebrado louco das rumbeiras, com vestimentas exíguas, lembrando um Sargentelli muito melhorado. Afinal, o Tropicana envolve no total, o trabalho de 1 300 pessoas.
Solicitado a dar opinião, disse um funcionário cubano, que o Tropicana era uma herança que precisava ser enterrada pois atentava contra a dignidade da mulher. Falei o que quis, ouvi o que não quis. Recebi uma aula sobre a música como manifestação cultural de um povo, herança a preservar e não a sepultar. No fim, mais pragmático, confessou que a Revolução já tivera uma fase mais moralista, com tentativa de menor permissividade quanto à bebida e ao sexo, mas que não deu certo por contrariar a índole de u povo de sangue quente. Além de disso, lembrou os 1 300 empregados e os incontroláveis dólares que são gerados para os cofres do país.
Mas, apesar da permissividade social, a prostituição, o o jogo e as drogas foram definitivamente erradicados em Cuba. Os prostíbulos mais próximos à Havana ficam em Miami, Flórida, EUA. Para onde, aliás, existem excursões, duas vezes por semana , organizadas pela Havana-Tur, uma das estatais do turismo .
Relatou-me um amigo cubano, neto do poeta maior de Cuba Nicolás Guillén, que uma das primeiras iniciativas sociais da Revolução foi justamente acabar com a prostituição. As mulheres foram recuperadas socialmente, habilitadas para o trabalho (muitas delas são motoristas de táxi),
E são hoje pessoas produtivas, ocupando algumas delas , cargo importante no estado e no partido , constando de seus currículos, orgulhosas referenciais ao passado e ao esforço para a recuperação da dignidade como pessoa humana.
O cubano, apesar da grande força das organizações femininas, dá a impressão de ser profundamente machista (apoio-me também na opinião da atriz Regina Duarte após sua visita à Cuba) . Conservam toda aquela encenação do galã latino-americano . Piscam e “cantam” as mulheres nas ruas , às vezes até insistentemente. Perguntando certa vez a nossa guia o motivo da superlotação dos ônibus, ela me afiançou que metade dos passageiros viaja por necessidade, o restante viaja para aproveitar o aperto. Perguntei-lhe ainda o que acontecia quando a caçada dava certo, ela respondeu que provavelmente parariam num motel, igual faziam os noivos e os namorados. Só não entendeu quando quis saber quem era o proprietário – “O Estado ora!” Quem poderia ser?


FAUSTO MATOGROSSO

Nenhum comentário: