terça-feira, 20 de março de 1984

DESAPARECENDO AS DIFERENÇAS

(Depoimento de Viagem VIII – Jornal da Cidade - )
“Artículo 1. La República de Cuba es um Estado socialista de obreros y campesinos y demás trabajadores manuales e intelectuales”- Constituição Cubana – 1976.
Santa Maria del Mar, acerca de 40km de Havana, é uma região procuradíssima pelas suas praias. Visitá-las faz-nos entender a afirmação dos cubanos de que conhecer Havana é desconhecer Cuba. O governo investe o fundamental de seu esforço fora da capital e uma das provas é esta região de veraneio, com uma excelente estrutura para o turismo interno e externo.
Os hotéis (alguns imensos e equivalentes aos nossos 4 estrelas) e as casas de veraneio são implantadas em meio a enormes parques sombreados por pinheiros . Na época de nossa visita, estavam lotados de estrangeiros: americanos , holandeses, alemães e franceses que tiravam, com os pés nas costas, o inverno cubano de 20 graus.
Entretanto, no verão , estrangeiro não tem vez; a maior parte das vagas é ocupada pelos trabalhadores destacados, selecionados pelos próprios companheiros de trabalho e que recebem do governo toda a gratuidade para suas férias.
Em Santa Maria del Mar, embarcamos em um microônibus Toyota, lotado de estrangeiros, com guia poliglota para conhecer um pouco do campo cubano. No caminho, passamos por extensos campos petrolíferos (que produzem cerca de 30 por cento do consumo nacional) e pela fábrica do Run Havana Club (antigo Run Bacardi), a cujas instalações não são permitidas visitas.
Em Cuba, existem no campo três tipos de propriedade: a camponesa (limite de 54 há e nesta modalidade estão 30 por cento das terras agricultáveis), a cooperativa (30 por cento) e a estatal (40 por cento). A Comunidade Rural de Jibacoa, que visitamos , é uma típica fazenda estatal e nela se pratica a criação de gado, tanto para engorda como para leite.
Pudemos ver então, com nossos próprios olhos, o que a propaganda socialista sempre alardeou com orgulho: a tendência ao gradativo desaparecimento das diferenças entre a vida no campo e na cidade.
Jibacoa, possui uma população de 1 500 pessoas (é interessante comparar com as fazendas de gado que conhecemos) concentradas na sua bem urbanizada sede. Entre os serviços colocados à disposição desses trabalhadores encontramos: barbearia, cabeleireira, creche, biblioteca (com alguns clássicos brasileiros como Machado de Assis e Jorge Amado) auditório polivalente (cinema, teatro, reuniões), escola primária e secundária , salão de exposições (arte e artesanato – por ocasião de nossa visita exibia uma exposição de artesanato mexicano), restaurante, bar, loja de roupas, supermercado e posto médico com ambulância.
As habitações são blocos de apartamento de 4 pavimentos, muito bem conservados. Cada bloco possui seu Comitê de Defesa da Revolução –CDR- e exibe no seu hall de entrada a relação dos moradores que se destacam pelo trabalho voluntário e pelo espírito revolucionário. Visitamos um desses blocos, onde fomos agradavelmente recebidos pelo seus moradores. Os apartamentos têm dois ou três quartos , sala , cozinha banheiro e pequena área de serviço. Não se paga aluguel. Como o problema habitacional ainda não está satisfatoriamente resolvido em Cuba, as boas condições de habitação oferecidas no campo são grandes atrativos para os moradores das cidades , muitos dos quais acabam indo morar e trabalhar no campo.
Pelo fato de nossa visita ter sido em um Domingo, não conseguimos ver a fazenda em sua produção rotineira, mas nos deu a oportunidade de entrar em contato com muitos trabalhadores que curtiam o seu dia de descanso, freqüentando a biblioteca , preguiçosamente jogando dominó, cartas ou xadrez e praticando esporte, numa agradável vida comunitária. Confundidos no meio de turistas norte-americanos, canadenses e europeus, pudemos entender entretanto os espanhólicos e latínicos gracejos que dirigiam às mulheres da nossa excursão. Até nisso desapareceu a diferença entre a cidade e o campo.
Visitamos também uma propriedade camponesa, vizinha à Comunidade Jibacoa. Nesta pequena área de cerca de 12 há, vivia um casal que não tinha aderido ao plano estatal (o que é voluntário) e dedicava-se ao plantio de feijão e mandioca, além da cultura de subsistência. A residência desse casal, embora bem mais modesta que as habitações da fazenda estatal, ofereciam condições dignas de moradia. O teto era de sapé, mas bem vedado, o chão ladrilhado, as paredes de madeira pintada impecavelmente de cal. A mulher já era aposentada e ganhava o salário mínimo (equivalente a Cr$ 85 000,00 ) e o marido, além de tocar a pequena roça, era leiteiro prestador de serviços na vizinha fazenda estatal, onde recebia remuneração mensal de Cr$ 150 000,00. Além disso, tinham todos os benefícios dos demais trabalhadores , tais como cota de alimentação pela “liberta” (subsidiada), assistência médica (que é gratuita).
As propriedades camponesas, embora pertençam individualmente a seus donos, normalmente produzem segundo uma orientação do Planejamento Nacional, do qual elas participam através da sua entidade representativa – a poderosa Anap (Associação Nacional dos Agricultores Pequenos ) – e nesta medida sempre encontram mercado e preços compensadores para seus produtos, que podem então ser vendidos livremente ou ao Estado.
Comparando as condições de vida e trabalho dos camponeses cubanos com as dos camponeses brasileiros, a diferença é da àgua para o vinho, mas a diferença com a fazenda estatal também é bastante grande.
Por isso, através do livre convencimento, o governo espera a gradativa transformação dessas propriedades camponesas em formas mais avançadas e produtivas como são as cooperativas e as estatais.
Mas, nesta andança pelo campo cubano, uma coisa me impressionou muito especialmente: próximo a um dos blocos de apartamentos da Comunidade Jibacoa estava preservada uma velha choupana , típica de antes da Revolução. Os mais velhos, que viveram o antigo regime , disso não precisam, basta-lhes o entusiasmado depoimento de vida que orgulhosamente fazem ao turista. A velha choupana comparada com a sede atual da fazenda faz o mesmo contraste do machado de pedra com o satélite artificial, do arado rudimentar com o moderno trator soviético, do antigo povo analfabeto e doente com o atual povo cubano. Segundo eles, a diferença entre o seu passado e o seu futuro é a mesma entre a exploração e a cooperação recíproca, entre o capitalismo e o socialismo.

FAUSTO MATOGROSSO

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