segunda-feira, 5 de março de 1984

IMPRENSA, O QUARTO PODER

(Depoimento de Viagem VII – Jornal da Cidade – 05/03/84)
“ ... o rádio, a televisão, o cinema e outros meios de difusão de massa são de propriedade estatal ou social e não podem ser objeto, em nenhum caso, de propriedade privada, o que assegura seu uso à serviço exclusivo do povo trabalhador e do interesse da sociedade” - Constituição Cubana – 1976”
“ Deram o quarto errado pra gente , este daqui está ocupado”. Esta foi a primeira reação que tive ao abrir a porta de nosso quarto e enxergar sobre o criado mudo um rádio portátil. Melhor inspecionando o recinto concluímos, eu e minha mulher, que o rádio não tinha sido ali deixado pelo ocupante anterior e sim fazia parte, juntamente com uma garrafa térmica cheia de água gelada , das “mordomias” do Hotel Vedado, que não oferecia TV e geladeira nos aposentos, luxo considerado muito dispendioso em um país pobre como Cuba. Mas, talvez fosse até desnecessário o rádio, pois, vizinho ao nosso hotel , e transmitindo com alto-falantes para a rua, funcionava a famosa Rádio Rebelde, a emissora que, clandestinamente durante a luta na Serra , infernizava Batista com suas irradiações subversivas.
Durante o tempo de nossa permanência no quarto do hotel, ouvimos compulsoriamente a Rádio Rebelde. Mesmo quando ligávamos o rádio(de fabricação soviética) em outra estação, não conseguíamos nos livrar da sua transmissão de rua . Até que , rendendo-nos à realidade, passamos a sintonizá-la com exclusividade, desta forma conseguindo a mesmo som dentro e fora do quarto.
Mas, de qualquer forma era boa a qualidade de sua programação. Música cubana, latino americana e inclusive brasileira. Os noticiários eram freqüentes , substanciosos e profundamente educativos , com grande cobertura de política internacional.
Outra emissora que nos chamou a atenção foi a Rádio Relógio, que entremeia sua função de relógio com um noticiário contínuo de 24 horas por dia, com análises excelentes sobre o que está acontecendo em Cuba e no resto do mundo.
Não tive oportunidade de sintonizar a emissora mais conhecida dos brasileiros que é a Rádio Habana Cuba, com a qual a Revolução reagindo ao bombardeio sobre território cubano efetuado pelas rádios do “mundo livre” (especialmente dos Estados Unidos), contra-ataca com suas emissões para todos os continentes em espanhol, francês, inglês, português e árabe. Conheci entretanto alguns de seus funcionários da seção de língua portuguesa, um deles brasileiro exilado, gente finíssima , que além de me entrevistar, arranjou-me uma das relíquias que trouxe de Cuba – a gravação completa do discurso de Fidel Castro no aniversário de 25 anos da Revolução.
A Rádio Habana Cuba já teve uma audiência muito maior no Brasil, principalmente na época em que nossa imprensa estava sob o tacão da censura , mas ainda hoje ´e ouvida por muita gente, principalmente do interior do país, que gosta de “conferir” as notícias que nos chegam pela imprensa nacional. Pude constatar essa audiência encontrando, ao aqui chegar, algumas pessoas que haviam escutado minha entrevista . Mas, o que me chamou atenção foi o fato de tais ouvintes não serem propriamente simpatizantes do socialismo e sim pessoas de “boa família”.
O primeiro contato com os jornais cubanos tive já na viagem México-Havana onde, a bordo da Cubana de Aviação, é distribuída a edição de resenha semanal do “Granma”, órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba.
Além do Granma (resenha semanal e edição diária de 500 mil exemplares) encontrei à venda em Havana , o “Juventud Rebelde” (da União dos Jovens Comunistas,200 mil exemplares diários) , o “Trabajadores” (da Central de Trabalhadores de Cuba), o “Tribuna de La Habana”, o semanário infantil “Pioneiro” (da Organização de Pioneiros José Marti) e o jornal cultural e de crítica literária “ Caiman Barbudo” (jacaré barbudo).
No geral o aspecto gráfico dos jornais não é bom, comparando-se com o padrão da nossa grande imprensa. Letras pequenas, diagramação monótona, poucas páginas. Mas, o conteúdo é riquíssimo, com grande cobertura da política internacional e nacional, com reportagens, entrevistas e artigos de opinião mas também com as tradicionais colunas de anúncios de cinema , de televisão, de emprego, de pequenos negócios (onde se encontra ofertas de trocas de casas, venda de eletrodomésticos usados, venda de automóveis e até cães de raça).
Antes de 1959 a imprensa cubana era totalmente vinculada à ditadura batistiana e aos monopólios americanos, de onde saiam seus “subsídios” e os milionários contratos de publicidade, em troca naturalmente de sua subserviência e da sua posição política conservadora e entreguista . Não havia liberdade de imprensa e a censura oficial controlava tudo. Apesar disso, ao triunfar a Revolução não se tocou nos jornais , nem se decretou nada contra eles.
O novo governo, concedeu completa liberdade de imprensa mas suspendeu os “subsídios”, começando então a enfrentar uma crescente oposição dos jornais que passaram a denunciar as medidas “comunistas” do novo regime. Fidel, requisitando horário na televisão, toda Sexta-feira, respondia uma por uma das críticas da semana. Os trabalhadores da imprensa também começam a reagir e inventaram a “coletilla” – ao final de cada editorial ou artigo que eles consideravam falso , escreviam: “os vendedores de jornais e os trabalhadores da imprensa declaram que o precedente artigo não está de acordo com a verdade, nem com a mais elementar ética do jornalismo...”
O público por sua parte se deu conta de que os jornais não diziam a verdade e simplesmente começou a deixar de comprá-los. Os comunistas começaram a reeditar seu jornal “ Hoy” (proibido por Batista) e o movimento 26 de Julho (de Fidel Castro) fundou o seu “Revolución”, sob protestos da imprensa conservadora que achava que liberdade assim já era demais.
Desta forma , sem subsídios oficiais , sem contar quase com anúncios, e sem vendas, os jornais conservadores ou faliram ou foram abandonados por seus donos que fugindo do país , prometeram voltar com as tropas “libertadoras” (americanas) e estão hoje a esperar este dia nas praias de Miami. O mais conservador dos jornais cubanos da época o “Diário de La Marina” (fascista) foi ocupado pelos trabalhadores (sua primeira manchete foi então: “Un dia com el pueblo, despues de ciento e veinte ocho anõs de reacion) e passou a sediar o “Hoy” que mais tarde mudando de nome passou a chamar-se Granma (abreviatura de grand-madre).
Em Havana existem dois canais de televisão, no total são sete no país inteiro. A qualidade de imagem, à cores, é muito boa e a programação excelente. Destaque todo especial merecem os noticiários. São abundantes, educativos e vibrantes. O apresentador é substituído como figura central, pela imagem direta dos eventos que estão sendo noticiados e , mesmo quando ele aparece, sua imagem ocupa apenas uma parte do vídeo, ou tem como pano de fundo a filmagem dos acontecimentos. Na parte internacional, a notícia quase sempre vem ligada com informações e análise sobre a situação política, econômica ou social do país a que se refere e, nesta medida, é profundamente educativa. Pudemos constatar isto na conversa com o povo, que nos pareceu profundamente informado. Quando dizíamos que éramos brasileiros, quase sempre nos perguntavam “ de que Estado?” , mostrando conhecer nossas realidades regionais , ao contrário do que acontece em muitos outros países onde se pensa que nossa capital é Buenos Aires.
Tive oportunidade de assistir em 31 de dezembro, um programa de resenha dos sucessos musicais do ano. Entre as músicas e autores mais ouvidos, estavam Chico Buarque, Milton Nascimento, Djavan, Roberto Carlos e Nelson Ned e para minha surpresa muita música estrangeira e americana: Liza Minelli, Simon e Garfunkel, Sérgio Mendes, Julio Iglesias, Rod Stewart e muitos outros roqueiros da moda.
Interessante citar é que lá também existem muitos programas de auditório e gincanas. Os competidores entretanto, recebem perguntas do tipo bem diferente das que estamos acostumados a ver por aqui: “ quantos médicos cubanos existem no exterior prestando solidariedade internacional?” “quantos guerrilheiros compunham a coluna do Comandante Che Guevara quando esta chegou a Havana?” “ quantos dias ficou Fidel Castro preso na Ilha de Los Pinos”, quando internacionalistas cubanos perderam a vida ajudando o povo irmão de Angola?”. Enfim, cada povo tem o seu Silvio Santos para “ alegrar” o Domingo.
Sucesso absoluto na TV cubana fez a série Malu Mulher que é assunto obrigatório em qualquer roda onde são recebidos os brasileiros. Através dela, os cubanos ficam sabendo de problemas que ainda não resolvemos e que para eles parecem pré-históricos: a discriminação da mulher descasada, a humilhante situação da empregada doméstica, o desemprego, a preocupação com o futuro, o pagamento do médico e do ensino, o consumo de drogas, o medo da violência nas cidades. \este tipo de programa , além de fazê-los compreender a importância da obra construída pela sua Revolução provoca no cubano uma viva solidariedade para com a luta dos brasileiros . Tornam-se então torcedores da nossa vitória , com o mesmo fervor que por aqui muita gente ainda reza para que em Cuba a história volte para trás.
Mas, se Malu Mulher ajudou os cubanos a entenderem um pouco da nossa realidade, a nova série que está sendo comprada pela TV cubana, “O Bem Amado”, fará com que eles entendam um pouco das nossas dificuldades em fazer qualquer luta séria no país dos Odoricos.

FAUSTO MATOGROSSO

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