A GUERRA
NA UCRÂNIA
A Invasão da Ucrânia, levada a cabo por Vladimir Putin merece
o repúdio de todos os pacifistas e democratas. Revela um anacronismo saudosista
do que foi o império russo e a antiga União Soviética. A resistência do povo
ucraniano está escrevendo páginas de glória já vividas em outros episódios
recentes.
Exemplo disso foi a Revolução Laranja ocorrida entre 2004 e
2005, em resposta às denúncias de corrupção, intimidação por votos e fraude
eleitoral direta, durante a eleição presidencial ucraniana de 2004. Também
entre 2014 e 2015 no levante popular que levou à deposição do presidente
pró-Russia Viktor Yanukovich, deixando feridas profundas que formaram o
contexto para a atual invasão russa. Nos dois episódios o povo ucraniano, nas
ruas, mostrou a determinação da luta pela democracia. Esse último episódio é
relatado com riqueza de detalhes no documentário Winter on Fire do diretor
Evgeny Afineevsky.
Ao cidadão comum, entretanto fica sempre a dificuldade de
formação de convicção sobre invasão, dada a intensa guerra cultural existente
sobre o assunto, que tenta impor uma verdade única, empacotada ideologicamente.
O tema é complexo e são vários os aspectos a considerar.
1. A Rússia de
hoje não tem nada a ver com a União Soviética de outrora. É uma potência
capitalista comandada por oligarcas corruptos que se apropriaram das empresas
estatais no processo de privatização levado a efeito durante o governo de Boris
Yeltsin. Putin é expressão desse sistema apodrecido e autoritário.
2. A invasão da
Ucrânia inaugura um novo momento geopolítico do mundo. Antes tínhamos a Guerra
Fria mantida pelo equilíbrio do terror entre os arsenais nucleares dos EUA e da
União Soviética. Com o desmoronamento dessa inaugurou-se um período em que os
Estados Unidos assumiram o papel de único xerife do mundo, e tentaram impor a
sua ordem no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria, pelas armas. Agora, a
Rússia tenta participar desse jogo, de novo, ressuscitando a Guerra Fria,
inclusive ameaçando com o seu arsenal nuclear.
3. Após o
desmoronamento da União Soviética, houve a extinção do Pacto de Varsóvia,
entretanto a OTAN continuou existindo e se expandiu para oeste com a
incorporação das antigas repúblicas soviéticas ao bloco. O que poderia ser um
momento de desarmamento acabou se transformando em uma anacrônica nova Guerra
Fria. De órgão de segurança coletiva, a OTAN parece ter se transformado em uma organização
estratégica para o controle da energia na Europa. A guerra na Ucrânia tem tudo
a ver com isso.
4. A Ucrânia
sempre teve problemas com a Rússia. Durante o período Stalin essa república foi
submetida a uma política rigorosa de requisição de alimentos, que levou fome e
morte ao país, deixando cicatrizes profundas anti-Rússia. Alguns historiadores
relatam que quando os nazistas de Hitler invadiram o país na Segunda Guerra
Mundial, foram saudados como libertadores.
5. Esse passado
pode ser encontrado por trás da existência de numerosos grupos neonazistas
proativos no país. A blogueira bolsonarista Sara Winter, presa após liderar o
foguetório contra o Supremo Tribunal Federal afirma ter sido treinada na
Ucrânia. Nas passeatas, bolsonaristas ligados ao “grupo dos 300” e ao Movimento
Brasil Livre (MBL) entoam a palavra de ordem de “ucranizar” o Brasil. Neste
exato momento o deputado estadual paulista Arthur do Val acompanhado de um
dirigente do MBL estão na Ucrânia postando fotos de suas participações na
fabricação de coquetéis molotov. Entretanto é importante distinguir os grupos
neonazistas no contexto mais amplo da resistência ucraniana. A Ucrânia luta
hoje pela sua autodeterminação e pela democracia, diante de uma Rússia
imperialista e ditatorial. Por isso tem merecido um amplo apoio mundial.
6. O contexto
ucraniano é extremamente complexo, por isso a necessidade de uma análise
multifacetada. Nessa história não tem mocinhos e bandidos. Concretamente, temos
invasores e invadidos, democratas e autoritários. Aí não há dúvidas, deve ser
apoiada a luta dos ucranianos e o grande desafio é conseguir o imediato fim das
hostilidades e o cessar fogo, para que se possa negociar a paz.
FAUSTO MATTO GROSSO
Professor aposentado da UFMS, membro do Grupo Conjuntura MS
Nenhum comentário:
Postar um comentário