sexta-feira, 4 de março de 2022

 

A GUERRA NA UCRÂNIA


A Invasão da Ucrânia, levada a cabo por Vladimir Putin merece o repúdio de todos os pacifistas e democratas. Revela um anacronismo saudosista do que foi o império russo e a antiga União Soviética. A resistência do povo ucraniano está escrevendo páginas de glória já vividas em outros episódios recentes. 

Exemplo disso foi a Revolução Laranja ocorrida entre 2004 e 2005, em resposta às denúncias de corrupção, intimidação por votos e fraude eleitoral direta, durante a eleição presidencial ucraniana de 2004. Também entre 2014 e 2015 no levante popular que levou à deposição do presidente pró-Russia Viktor Yanukovich, deixando feridas profundas que formaram o contexto para a atual invasão russa. Nos dois episódios o povo ucraniano, nas ruas, mostrou a determinação da luta pela democracia. Esse último episódio é relatado com riqueza de detalhes no documentário Winter on Fire do diretor Evgeny Afineevsky.

Ao cidadão comum, entretanto fica sempre a dificuldade de formação de convicção sobre invasão, dada a intensa guerra cultural existente sobre o assunto, que tenta impor uma verdade única, empacotada ideologicamente. O tema é complexo e são vários os aspectos a considerar.

1.        A Rússia de hoje não tem nada a ver com a União Soviética de outrora. É uma potência capitalista comandada por oligarcas corruptos que se apropriaram das empresas estatais no processo de privatização levado a efeito durante o governo de Boris Yeltsin. Putin é expressão desse sistema apodrecido e autoritário.

2.        A invasão da Ucrânia inaugura um novo momento geopolítico do mundo. Antes tínhamos a Guerra Fria mantida pelo equilíbrio do terror entre os arsenais nucleares dos EUA e da União Soviética. Com o desmoronamento dessa inaugurou-se um período em que os Estados Unidos assumiram o papel de único xerife do mundo, e tentaram impor a sua ordem no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria, pelas armas. Agora, a Rússia tenta participar desse jogo, de novo, ressuscitando a Guerra Fria, inclusive ameaçando com o seu arsenal nuclear.

3.        Após o desmoronamento da União Soviética, houve a extinção do Pacto de Varsóvia, entretanto a OTAN continuou existindo e se expandiu para oeste com a incorporação das antigas repúblicas soviéticas ao bloco. O que poderia ser um momento de desarmamento acabou se transformando em uma anacrônica nova Guerra Fria. De órgão de segurança coletiva, a OTAN parece ter se transformado em uma organização estratégica para o controle da energia na Europa. A guerra na Ucrânia tem tudo a ver com isso. 

4.        A Ucrânia sempre teve problemas com a Rússia. Durante o período Stalin essa república foi submetida a uma política rigorosa de requisição de alimentos, que levou fome e morte ao país, deixando cicatrizes profundas anti-Rússia. Alguns historiadores relatam que quando os nazistas de Hitler invadiram o país na Segunda Guerra Mundial, foram saudados como libertadores.

5.        Esse passado pode ser encontrado por trás da existência de numerosos grupos neonazistas proativos no país. A blogueira bolsonarista Sara Winter, presa após liderar o foguetório contra o Supremo Tribunal Federal afirma ter sido treinada na Ucrânia. Nas passeatas, bolsonaristas ligados ao “grupo dos 300” e ao Movimento Brasil Livre (MBL) entoam a palavra de ordem de “ucranizar” o Brasil. Neste exato momento o deputado estadual paulista Arthur do Val acompanhado de um dirigente do MBL estão na Ucrânia postando fotos de suas participações na fabricação de coquetéis molotov. Entretanto é importante distinguir os grupos neonazistas no contexto mais amplo da resistência ucraniana. A Ucrânia luta hoje pela sua autodeterminação e pela democracia, diante de uma Rússia imperialista e ditatorial. Por isso tem merecido um amplo apoio mundial.

6.        O contexto ucraniano é extremamente complexo, por isso a necessidade de uma análise multifacetada. Nessa história não tem mocinhos e bandidos. Concretamente, temos invasores e invadidos, democratas e autoritários. Aí não há dúvidas, deve ser apoiada a luta dos ucranianos e o grande desafio é conseguir o imediato fim das hostilidades e o cessar fogo, para que se possa negociar a paz.

 

FAUSTO MATTO GROSSO

Professor aposentado da UFMS, membro do Grupo Conjuntura MS

 

Nenhum comentário: