quarta-feira, 19 de maio de 2021

 

ARTISTAS DO PARTIDÃO
(Esta crônica será publicada no livro Histórias que ninguém vai contar)




Eles eram poucos. E nem puderam cantar muito alto a Internacional naquela casa de Niterói em 1922. Mas cantaram e fundaram o partido. Assim nos conta Ferreira Gullar sobre o nascimento do PCB.

No mesmo ano, aconteceu a Semana de Arte Moderna em São Paulo com a consolidação do movimento modernista, movimento esse que rompeu com os paradigmas elitistas e marcou época na cultura brasileira. Vários intelectuais que fizeram parte do movimento modernista se filiaram no Partido Comunista, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, entre outros.

Essa relação entre os intelectuais e o partido se tornou quase que um caminho natural desses artistas. Por longo período, para ser intelectual progressista era quase necessário estar próximo ou passar pelo Partido Comunista. Essa foi a nossa história. Assim fomos, ao longo do tempo, contando com a participação de intelectuais e artistas como Oduvaldo Vianna Filho, Oscar Niemeyer, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Pontes, Arnaldo Jabor, Carlos Diegues, Carlos Nélson Coutinho, Leon Hirszman, Carlos Estevam Martins e José Carlos Capinam, entre tantos.

Aqui em Mato Grosso do Sul, também, sempre estivemos próximos ao movimento artístico e cultural. Talvez o precursor dessa ligação dos artistas com o partido tenha sido o pintor Ilton Silva. Na UFMS, tínhamos muito contatos no Departamento de Comunicação e Artes que proporcionaram a filiação de Richard Perassi, Marli Damus e Darwin Longo de Oliveira, bem como uma grande franja de simpatizantes que atuavam conosco. Durante meu período de Pró-reitor, com Richard Perassi na Coordenadoria de Cultura coordenamos a reabertura do Teatro Glauce Rocha, a seleção e produção do disco Caramujo Som, bem como a realização de duas edições do Festival Latino-Americano de Artes e Cultura Popular de Corumbá, referência para o atual Festival América do Sul Pantanal.

  Contribuíram também para a nossa aproximação com os artistas as nossas gestões na secretaria de cultura no estado e no município da capital, com Ângela Costa, Richard Perassi e Athayde Neri. Assim, ao longo da nossa historia fomos construindo sólidas relações. Os artistas ajudavam várias atividades do partido em várias áreas, em especial nas campanhas eleitorais.

  Muitos eram os artistas que participavam das campanhas das mais variadas formas. Desenvolvendo músicas e jingles, onde se destacava o Zedú, pintando nossas mensagens em muros e paredes, criando camisetas e contribuindo na nossa discussão política. Aí vem a lembrança, entre outros, do Jacinto, do Marson, da Anita, do Cecílio Veras.

Eu me lembro dessa participação na nossa candidatura a deputado estadual em 1990. Nosso “marqueteiro”, Natalino Luiz Gonzaga, conduziu a campanha tentando mudar minha imagem, muito séria e sisuda. Foi resolvido que a campanha seria baseada em festas. Para mim, esta foi uma das eleições mais sofridas. Fazer discursos em festas era um constrangimento pessoal enorme. Eu não sabia onde colocar as mãos. Nas nossas festas, numerosos artistas faziam performances, com especial destaque para a pintura de quadros a quatro mãos feitas por Ilton, Darwin e seu irmão Lelo. Em muitas ocasiões, a venda dessas obras garantia a gasolina da volta para Campo Grande.

Foi uma campanha com muitas dificuldades financeiras. Eu me lembro de que naquele ano havia sido lançada a cerveja Schincariol. A cerveja era muito ruim, mas era a mais barata. Nossas festas eram regadas a Schincariol.

Um dessas festas foi realizada em Dourados na Danceteria Beliscos no fundão da Rua Marcelino Pires. Nossos convidados se misturavam com os frequentadores usuais do local, o que tornava mais constrangedor o discurso político. Lá estavam pintando ao vivo e a quatro mãos Ilton e Darwin e tocando o músico Paulo Gê. Terminada a festa, este manifestou o desejo de voltar ainda à noite para Campo Grande. Acordei com uma polêmica travada, em altas vozes nos corredores do hotel.  Era uma briga pela posse da chave do carro. Ilton gritava: “Você não é filiado, então não pode dirigir o carro do partido”. Tive que entrar no meio e fazer o apaziguamento, já que ninguém tinha condições de dirigir coisa alguma àquela altura dos acontecimentos.

Lembrou-me outro dia o Darwin, de outra festa, no Clube Surian. Ele pintava um quadro junto com o Ilton. Na falta d’água, molhavam os pinceis em um copo de cerveja. Tocava, com competência, seu instrumento o Zeca do Trombone. Quando chegou a sede, não teve a menor dúvida pegou o copo dos pinceis e o secou em grandes talagadas, sem reclamar de nada.

Assim, eram as nossas campanhas com os artistas. Divertidas, com cerveja de péssima qualidade, mas cheias de boas histórias.

Fausto Matto Grosso

Modificado em 25/05/2021, em função de novas informações de companheiros


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