segunda-feira, 14 de junho de 2004

NOVO VERSUS VELHO

Começamos a morrer no dia em que nascemos, diz o filósofo. Não se atravessa o mesmo rio duas vezes afirma o outro. Embora o movimento e a mudança façam parte do nosso cotidiano, muitas vezes só enxergamos a permanência e a continuidade na realidade do dia a dia. Às vezes acontece ainda pior, temos vontade de voltar ao que já passou, como se essa máquina do tempo já tivesse sido inventada.
O mundo em que vivemos tem sido marcado pelo ritmo alucinante da mudança, mas nem sempre isso significa melhoria para a humanidade. Esse novo vai ser configurado pela luta entre as forças que disputam a hegemonia no processo de mudança.
A Revolução Industrial, introduzindo as máquinas na produção e produziu a modernidade do Século XX, mas também as suas injustiças. As máquinas eram meras extensões motoras dos braços do homem. Apesar de ser uma coisa simples, essa mudança afirmou o capitalismo como sistema dominante, mas na disputa sobre o futuro, fez nascer a idéia do socialismo e o sistema socialista mundial que chegou a dividir quase ao meio o mundo existente . Surgiram, com os perfís atuais, os Estados Nacionais, os Partidos e os Sindicatos.
A Revolução Científico-Tecnológica, ao intensificar o uso produtivo do conhecimento e da informação, criando os novos materiais, o computador, a robótica, os supersensores, levou à produção uma extensão do cérebro humano. O impacto disso no mundo está redesenhando todos os paradigmas anteriores.
Para se ter uma medida dessa realidade, segundo previsões da Conferência de Atlanta sobre o Futuro do Mundo, 1995, no Japão no ano 2020, apenas 5% da população terá lugar no mercado de trabalho, 74% do PIB daquele país provirá de bens e serviços que não tinham sido ainda inventados e o estoque de conhecimento humano duplicaria a cada 83 dias.
Nesse contexto novo, os velhos métodos, as receitas tradicionais já não funcionam mais como antes e a perplexidade toma conta das mentes. Os Estados nacionais perdem significância perante os blocos regionais, começam a serem formados os mecanismos de uma nova governança mundial. Assim como o mercado se interconecta instantaneamente, surge o embrião de uma nova sociedade civil mundial. Como parte desse mesmo processo fortalece-se o local como espaço de exercício da cidadania e da democracia. Pelas redes de interesses se articula uma verdadeira cidadania global e local que coloca no horizonte o fim do conceito de estrangeiro.
Vivemos uma verdadeira crise de civilização. No linguajar do filósofo , mais uma vez o que é sólido está se desmanchando no ar. Aí convém chamar um pensador italiano que enxergava a sua época a partir da consciência da univesalidade da regra do movimento. Gramsci ensinava: crise é aquela situação que se instala quando o que é velho já morreu e o que é novo ainda não nasceu.
Nesse contexto, ainda convivem os dois, muitas vezes, cada vez menos, é o velho que lidera e manda. Mas o novo está lá, solerte, buscando o seu espaço de afirmação. Mais adiante será o novo que firmará, inexoravelmente, a sua presença. Apesar da afirmação cada vez maior de valores humanos, conquista do processo civilizatório, afirma-se a disputa pela hegemonia no novo mundo. Cada lado tem seus intelectuais, seus seguidores, e seus militantes.
A direita mundial soube entender esse processo melhor do que a esquerda. Por isso liderou a saída da crise afirmando novos paradigmas igualmente excludentes e opressores. Sua ideologia era o pensamento único do neoliberalismo.
A esquerda jogou na defensiva, acabou exercendo um papel conservador. Não percebeu as possibilidades novas, perdeu a inciativa e perdeu a disputa. Muitos mudaram o discurso por oportunismo, não porque o mundo mudou. Na perplexidade e na crise, muitos simplesmente se transformaram em meros síndicos conservadores da massa falida do velho. O desafio que se tem pela frente é, de novo, ela ser portadora de uma utopia transformadora, razão da sua existência. Para isso tem que recuperar a sua liderança “intelectual” e moral, reinventar-se.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, professor da UFMS

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