sábado, 1 de maio de 2004

PATRIMONIALISMO

A aprovação, pelo Plenário do Senado, da Medida Provisória que cria 2793 cargos comissionados na Casa Civil da Presidência, o apelidado “trem da alegria do PT”, chama a atenção para um problema bem maior, de natureza estrutural.
Desde Collor, justificado pela ideologia do “Estado Mínimo”, o serviço público vem sendo paulatinamente desmontado no País.Vivi isso, de corpo presente, na Universidade e também durante o ano passado em Brasília.
Na Secretaria de Desenvolvimento do Centro-Oeste, onde trabalhava, o único funcionário do quadro efetivo, era a copeira. Os demais eram ou terceirizados (em alguns casos isso pode ser justificável), ou contratados temporariamente via convênios de cooperação técnica com organismos internacionais (artifícios para fugir dos concursos públicos) ou ainda eram ocupantes de cargos comissionados, de livre provimento, os famigerados “cargos de confiança”.
Portanto não se deve discutir a Medida Provisória focando na falsa questão do inchaço dos cofres do PT pela contribuição partidária obrigatória do filiados que preenchesse tais “cargos de confiança”. O que é chave nessa discussão é o reflexo dessa disfunção na qualidade da administração pública.
A análise é clássica. A capacidade de governo tende a aumentar com o tempo. O governante só consegue governar, efetivamente, após a sua maquina administrativa atingir um mínimo de maturidade. Antes disso o dirigente aperta o botão e não acontece nada. Esse parece ser ainda o estágio da atual administração – o governo aparenta não ter começado. O simbolismo usado pelo PFL de comemorar o aniversário do governo com um bolo com só dois terços, embora cruel é impecável.
Contrariamente a isso, os governantes costumam começar a gestão com seu nível máximo de apoio. Afinal, a opinião pública acabou de se manifestar a seu favor, a oposição fica cuidadosa para não enfrentar esse sentimento majoritário, enfim, todo mundo dá um voto de confiança ou pelo menos “um tempo”. Essa governabilidade tende a cair ao longo do tempo. Aproximando-se das eleições, complica-se mais a obtenção de apoio geral. Existe um mínimo de governabilidade que diz quando o governo acabou, que não tem mais condição política para tomar iniciativas.
Essa contradição temporal entre a capacidade de governo e a governabilidade faz com que o tempo eficaz de governo não seja de quatro anos e sim bem menos. Obter o mais rapidamente possível capacidade de governo é o desafio chave. Obviamente isso não se consegue com mudanças radicais nos quadro “técnicos” da administração.
O quadro da Administração Pública tem que ser profissionalizado em nível máximo possível. Isso é que vai garantir o acúmulo da experiência e a consolidação de uma cultura administrativa que garanta resultados.A falta de resultados do Governo atual tem muito a ver com a descontinuidade administrativa provocada pela substituição radical dos “cargos de confiança”. Aí é que “mora o perigo”: democracia sem resultados não se sustenta.
Via redução drástica dos cargos de livre nomeação e a realização de concursos públicos combinados com avaliações permanentes de desempenho, tem que ser consolidado um serviço público profissional que independa dos governantes de plantão. Tais servidores o são do público e não dos governantes. Esse é o imperativo republicano a que devem se submeter os governantes.
Além do mais, convenhamos, chamar cargos comissionados de “cargos de confiança” expressa um patrimonialismo inaceitável em qualquer político com compromisso democrático e republicano.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e Professor da UFMS

1º de maio de 2004

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