sábado, 2 de janeiro de 2021


 O MOVIMENTO ANTIVACINA


  Atreva-se a conhecer. Esta frase sintetiza o desafio lançado pelo Iluminismo durante o século XVIII na Europa. O Século das Luzes foi um período em que se opôs a ciência à ortodoxia religiosa, entre as quais as teses místicas que afirmavam que as doenças eram castigo divino. A partir dessa época, a razão foi colocada como principal fonte de autoridade e de legitimidade das ideias. Nesse período, começaram a serem defendidos os ideais de liberdade, progresso, tolerância, fraternidade, e separação Igreja–Estado.

  A escuridão dos tempos atuais clama por nova iluminação, com a defesa da ciência e do conhecimento racional como meio de superação de preconceitos e ideologias tradicionais.

  Um dos sinais da escuridão é o atual movimento antivacina, que defende que os imunizantes não protegem contra as doenças e podem colocar a saúde em risco.  A Organização Mundial de Saúde (OMS) em recente relatório afirma ser tal movimento um dos dez maiores riscos à saúde global, sendo tão perigoso quanto os vírus mais temíveis.

  O movimento antivacina tem crescido no mundo e no Brasil. Um dos marcos dessa explosão foi a publicação de um estudo na conceituada revista Lancet em 1998 de autoria do médico britânico Andrew Wakefield que relacionava a vacina tríplice viral contra caxumba, sarampo e rubéola com a ocorrência de autismo em crianças. Logo depois, o artigo foi desqualificado por inúmeros cientistas e pela própria revista. Mas depois que algo dessa gravidade chega à população, fica difícil desfazer o estrago. Até hoje, esse artigo desqualificado de Wakefield é utilizado e generalizado por inúmeros grupos antivacina. É provável que isso esteja por trás do retorno de inúmeras doenças que já foram consideradas praticamente erradicadas.

  Os negacionistas da ciência formam um grupo bastante heterogêneo. Dentro dele estão desde os ingênuos e preguiçosos mentais até aqueles que ganham dinheiro com as crendices do povo empurrando praticas médicas alternativas duvidosas ou falsas, como as curas herbalistas, homeopáticas, quiropraxistas e neuropatas que se oferecem em sites de grande apelo. O movimento antivacina tornou-se um grande negócio, em um momento de comoção mundial e avanço do populismo.

  No Brasil, recente pesquisa da divisão de estudos estatísticos da revista digital Poder 360, aponta que entre julho e dezembro de 2020 o número daqueles que tomariam vacina passou de 85% para 60% e o grupo dos que não se vacinaria passou de 8% para 28%, mostrando o estrago causado pelo movimento antivacina.

  A sociedade brasileira precisa reagir mais enfaticamente. As redes científicas e profissionais tem que assumir responsabilidade com o país. Os cientistas precisam se mostrar mais e ampliar seu diálogo com a sociedade, inclusive através das mídias sociais, onde os antivacinas trafegam com desenvoltura. Cada fake news tem que ser desmoralizado com a palavra da ciência e da razão.

  Os provedores de mídias sociais, institucionalmente, devem ser mobilizados a cumprir um papel responsável, enfrentando o domínio do império das poderosas mídias antivacinas. O Supremo Tribunal Federal, em julho do ano passado mandou bloquear as contas dos aliados de Bolsonaro no Twiter e Facebook "para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática". Da mesma forma, e com transparência, é preciso banir as mensagens antivacina, que constituem um crime contra a humanidade.

  A situação é tão grave que o próprio Ministério da Saúde o criou um serviço WhatsApp, para vigiar e esclarecer as mensagens fake news quanto à pandemia. É uma necessidade tornar esse canal mais proativo e acessível à população.

Maria Augusta Rahe Pereira, médica

Fausto Matto Grosso, engenheiro

 

 


6 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pelo artigo. Sendo duas pessoas e profissionais tão idôneas, sinto mais tranquilidade, pois tenho recebido vidros com matérias da CNN relatando sérias reações alergicas em médicos, inclusive, que tomaram a vacina. Daí a gente se sente insegura e contraria a ser cobaia de resultados tão rápidos de solução. GRATA. Maria Helena Brancher

Jose Augusto Guedes disse...

Esse movimento anti-vacina existe no mundo, mas no nosso caso, um presidente que faz campanha contra o isolamento social, o uso de máscaras e a vacina é grandemente responsável pelo que está ocorrendo. Esse sociopata parece se satisfazer com o crescente número de mortos, o que parece ser também o caso desse medíocre general logístico da Saúde. Acho que a sociedade e suas instituições, especialmente as de Medicina, deveriam estar fazendo uma campanha maior, opondo mais resistência às sandices do governo. Acho que, ao invés do que prega o sociopata, querendo obrigar o tomador da vacina a assinar termo de responsabilidade, deveria ser obrigatório, como preconizou um médico de UTI, que quem se recusasse a tomar vacina, teria que assinar um termo abrindo mão de atendimento na rede pública de saúde, mantida com uma abnegação heróica de seu quadro de funcionários.

O caminho se faz ao caminhar disse...

Parabéns pelo artigo a quatro mãos: profissionais respeitado(a)s e, sobretudo, cidadão(ã)s reconhecido(a)s pelos aportes à sociedade brasileira, sobretudo nos anos de chumbo e no processo de democratização do Brasil, bem como no exercício profissional da Medicina (caso da Doutora Maria Augusta).
A escolha do tema nos permite atrever-nos à sugestão de que, a quatro mãos, continuem, por favor, a abordar temas correlatos, pois a pandemia, a despeito da tragédia humana e social, contribuiu para a queda de muitos mitos (desculpem qualquer associação involuntária à figura que encarna o atual governo federal), bem como valorizou a ciência e a saúde como bem público.
Aliás, todo jovem dos anos 1970/1980 que despertou para a ciência e as questões sociais têm débito ineludível com o Professor Fausto Matto Grosso, que, embora durante algum tempo esteve fora da academia pela truculência do regime de 1964, foi um incansável debatedor dos principais temas nacionais e internacionais, bem como uma referência inegável na luta pela construção do Estado Democrático de Direito.
Nossa Amizade permanece incólume, embora hoje possamos ter algumas diferenças pontuais sobre as perspectivas políticas para o Brasil e a América Latina.
Vida longa e muita saúde!
Fraternalmente,
Ahmad Schabib Hany

Unknown disse...

Parabéns Maria Augusta e Fausto, brilhante e esclarecedor artigo,ja estou replicando.

Unknown disse...

Estão generalizando quem não quer tomar vacina de laboratório suspeito de corrupção e que não apresenta dados confiáveis, com as pessoas que não querem nenhuma vacina. São coisas totalmente distintas. Pra piorar usam nosso maravilhoso STF como fonte de algo confiável na, inconstitucional, CPI de fake news.

Unknown disse...

Texto de excelente qualidade, muito esclarecedor: no estágio de contágio em que a doença se encontra só temos uma saída: tomarmos uma das vacinas e agradecermos por termos essa oportunidade. Vocêe são brilhantes, admiro- os muito.