quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

 

EXILIO ILUSTRE PELA NOROESTE

(Este artigo será publicado no livro Histórias que ninguém vai contar)

A repressão mais cruenta da ditadura militar ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) não ocorreu de 1964, mas sim 10 anos depois, em 1974 e 1975. O governo militar já havia derrotado a luta armada e, pressionado pela crise, começou o que chamava de abertura lenta, gradual e segura, com Geisel. Para isso, tinha que enfrentar a esquerda que atuava na frente democrática contra a ditadura fazendo a luta política. Era preciso extirpa-la para poder abrir o regime de forma a não perder o controle.

  Nessa repressão, além da cassação de deputados ligados ao PCB, Nelson Fabiano Sobrinho e Marcelo Gato abrigados no MDB, foram assassinados o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Filho. Assassinaram também, mais de um terço dos membros do seu Comitê Central. Nessa circunstância, sem poder conduzir a luta, dentro do Brasil, a direção do Partidão resolveu retirar do país grande parte dos dirigentes nacionais, enviando-os para o exterior. Cada um teve que montar seu esquema próprio de saída do país, por suspeita de que o esquema de fronteira estava infiltrado.

  Salomão Malina era uma dessas grandes figuras que tiveram que partir para o exterior. Ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial, onde se alistara como voluntário, já tendo sido condecorado, por sua bravura, com a Cruz de Combate de Primeira Classe, a maior condecoração do Exército Brasileiro. Malina, que já havia passado vários anos preso e já experimentara 35 anos na clandestinidade, teve que se refugiar em Portugal. Anos depois, anistiado, foi reformado como tenente-coronel do Exército.

  A saída dele se deu por Ponta Porã, em 1975, acompanhado de outro dirigente nacional, Givaldo Siqueira. Contou com o apoio local do partido, especialmente de Onofre da Costa Lima Filho, numa operação super-reservada. O esquema da sua retirada contou com grande ajuda de comunistas paraguaios, entre eles Ricardo Grando e sua esposa Dona Úrsula. O casal, refugiado no Brasil, era dono do conhecido restaurante Gato Que Rí, em Campo Grande. Dona Úrsula simulou ser esposa de Malina, o que ajudou a fazer a travessia da fronteira em Ponta Porã. O acesso a essa cidade se deu pelo ramal ferroviário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil numa rota improvável que nunca era usada, por causa do tráfico de drogas.

  Em seu retorno, depois da anistia, Malina, agradecido, nunca deixou de visitar o casal, a cada vinda a Campo Grande, da mesma forma que, como ex-pracinha visitava a sede da Associação dos ex-Combatentes da Segunda Guerra.

  Após sua saída do Brasil, Malina, foi para a Argentina, depois  para a Colômbia onde os soviéticos o socorreram com documentos que lhe permitiram o exilio europeu. Assentado em Portugal, perambulou por vários países europeus onde os Partidos Comunistas conviviam em democracias. Malina lia jornais em cinco idiomas. Um período em Moscou, como sensibilidade crítica, ajudou a formar sua cabeça arejada que propiciou a transformação do PCB em Partido Popular Socialista (PPS), tornando Roberto Freire seu sucessor. Trouxe também o gosto pelo vinho verde, que muitas vezes compartilhamos em encontros de boa conversa em São Paulo ou Brasília.

Fausto Matto Grosso

 (ajustado em 07.01.2021 por indicação do amigo Ascário Nantes)

Um comentário:

Unknown disse...

Sangue do vó Fausto, não nega......