quarta-feira, 4 de novembro de 2020

 

(Um livro escrito página a página)

AINDA QUER RECEBER!


  Meu primeiro período como professor da UFMS (1972-1974) foi muito gratificante. Ao final de 1974 fui demitido da Universidade por razões políticas, mas isso é outra história. Recém-criado, o curso de Engenharia atraiu uma demanda reprimida, de tal sorte que, com meus 23 anos de idade, era praticamente da geração de meus alunos. Fiz muitas amizades.

  Tive excelentes alunos, alguns pouco nem tanto. Fui um professor muito rigoroso, afinal minha escolha tinha sido uma opção política. Para mim, ser professor era uma espécie de sublimação da política. Entrei na condição de professor querendo modificar o que tinha achado inadequado na minha própria formação. Meu plano de ensino era ambicioso e os índices de reprovação, em Resistência dos Materiais (Mecânica dos corpos deformáveis), eram altíssimos, como costuma ser em todos os cursos de Engenharia. Eu era muito exigente, afinal, nessa área, eu tinha sido aluno professores brilhantes. Pois bem, tive um aluno muito inteligente, mas que não gostava de estudar. Comigo isso não dava certo, sai melhor o aluno estudioso. Foi reprovado e prometeu me atropelar de carro. Fazia parte.

  Após minha demissão, acabei caindo de cabeça no cálculo estrutural. Naqueles anos oitenta de crise econômica profunda, meus maiores clientes eram o Governo do Estado e os bancos, ou seja, onde havia dinheiro. Com a divisão de Mato Grosso, de novo, Pedro Pedrossian, assumiu o governo. Era o tocador de obras. Advinhem quem assumiu o Departamento de Obras Públicas? Exatamente, aquele que queria me matar.

  Mas a sorte me protegeu. Só existiam aqui dois escritórios de cálculo estrutural que tinham porte para aguentar o ritmo de Pedrossian, o meu e o de outro comunista, o Euclides de Oliveira, uma figura notável.  Em 1935 era capitão do exército, e tinha participado do levante comunista, quando ficou preso com Graciliano Ramos, conforme descrito no livro Memória do Cárcere. Aliás, comunista gosta de sofrer, por isso gosta de ser calculista.

  Não tendo jeito, o governo tinha que me passar projetos. Muitos projetos! O duro era receber.

  Certa vez fui cobrar minhas faturas. Meu ex-aluno inteligente olhou para mim e disse: “Fausto, você é comunista, vive falando mal do governo, nós te damos serviço e você ainda quer receber!!!!”

  Consegui fazer o governador ficar sabendo. Ele chamou o diretor, aliás, seu parente, e o enquadrou: “você não devia ter dado projeto para ele, mas se deu, trate de pagar”. Assim consegui me salvar, embora muitos dos meus créditos, protegidos pela URV, tenham ficado para o governo seguinte pagar.

Fausto Matto Grosso

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