quinta-feira, 8 de abril de 2004

PERÚ COM CHAMPAGNE (II)

Através dos vidros imensos, o Presidente olha o gramado do Palácio. Amanhã começará o seu segundo mandato, após uma vitória apertada nas urnas. Será um dia extenuante, de muita festa.
Seu pensamento voa. Sente-se amadurecido após tantos embates, acertos e erros. Lembrou-se de outros Presidentes. Tinha virado as costas para o Sarney quando morreu Tancredo. Tinha virado as costas para o Itamar após o desastre Collor. Eles que se danassem! Passado o tempo sentia agora o quanto o tinha errado e sido pouco grandioso.
Nos dois primeiros anos do seu governo pagara um alto preço da inexperiência. Faltara-lhe um programa de governo claro e objetivo. A história da herança maldita passou a não colar mais. Pensava que a simples negação, que aprendera a fazer na oposição, lhe credenciaria para fazer as mudanças. Enganara-se. Não bastava honestidade de propósito. Governar é complexo, não bastava a generalidade do “modo petista de governar”. Ninguém consegue governar sozinho. Aprendeu isso à duras penas.
Só conseguiu mudar esse quadro quando a crise se aprofundou em 2004. Apelou para a Nação. Quem diria! Foi à televisão pedir “não me deixem só!” . Pior é que se percebera só e mal acompanhado.
Mas teve apoio da Nação para fazer as mudanças. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, depois de modificado, foi seu grande trunfo para mudar o eixo da governabilidade. Firmara ali o seu Pacto de Moncloa. Pactuou ali as mudanças pelas quais o País clamava. No Congresso, pode então construir uma aliança, mesmo que tática, com forças com as quais nunca imaginara poder contar. Fora ali a sua salvação. Conseguiu uma sólida base congressual baseada num programa de mudanças e não no toma lá da cá de cargos e do manejo das emendas parlamentares. Conseguira se livrar daquela coisa nojenta.
Foi uma mudança dura, que lhe causara muita dúvida e muito desgaste. Mas, afinal, já estava consciente que o pior era continuar como vinha nos dois primeiros anos do governo.
Às denuncias sobre deslizes éticos respondera com a transparência. Orientara a aprovação das CPIs para investigar livremente as denúncias. Tivera, é certo, que afastar seu Ministro mais importante. Mas teve a satisfação de vê-lo voltar, depois, com a ficha limpa. Tudo não passara de uma tempestade em copo d’água. Mas entendeu que aquele episódio era apenas a ponta de um iceberg. Demonstrava o grande descontentamento da Nação com a crise econômica e com os resultados pífios do seu governo.
Naquele momento começou a implementar uma nova política econômica que permitira ao país voltar a crescer. Não conseguira, é certo, os 10 milhões de empregos, mas recuperou a esperança do povo. Quanto lhe doía ver o Brasil, que tantos imigrantes acolhera, ter virado exportador de gente.
Tivera que bater duro contra a cultura financista da sua equipe econômica. À política de responsabilidade fiscal, mandou sobrepor a política de responsabilidade social. Exigiu metas de desenvolvimento social.
A Reforma Agrária começou a andar efetivamente. Muito ainda terá que se fazer no segundo mandato, mas o clima de guerra e de intranqüilidade diminuiu sensivelmente no campo. A agricultura familiar começou a dar frutos tão importantes quanto à agricultura de exportação.
Tivera, é certo, que enfrentar o seu partido. Anos de oposição contra tudo e contra todos o tornara arrogante e de dono da verdade. Trouxera isso para o Governo. Demonstrara, também, que tinha vícios do empreguismo, foi um problema sério que teve que enfrentar. A deformação hegemonista, que carregava, transformou-se em política de cooptação sem princípios, não de parceiros, mas de apoiadores interesseiros.
Teve que colocar seu partido no seu devido lugar, fora do governo. Esse era o principal papel do partido, aliás, de qualquer partido. O partido que se subordina às razões de Estado, e não as razões da Sociedade, se deforma. Governo é Governo, partido é partido. Os dois são importantes, mas fundi-los pode levar ao mesmo desastre que acometera a União Soviética. Se tivesse aprendido isso a tempo, não teria perdido tantos companheiros valorosos, da esquerda do partido.
Tivera a coragem, também, de liderar a proposta do parlamentarismo. Carregara durante muitos anos o sentimento de culpa por não ter, no passado, apoiado essa luta, velha bandeira da esquerda democrática. Tinha cedido à visão golpista de que o parlamentarismo naquela ocasião era para barrar-lhe o caminho. Terá agora um segundo mandato como Chefe de Estado e de Governo, mas o seu substituto em 2010 já terá funções diferentes e governabilidade baseada na co-responsabilidade do Congresso.
Com as mudanças empreendidas pudera recuperar os índices de popularidade do início do governo. Isso lhe deu fôlego para voltar novamente às ruas e as urnas. Pode associar a sinceridade do seu discurso com a esperança que ainda despertava no povo sofrido. A batalha foi dura, mas a esperança venceu a descrença! O povo voltara a acreditar que o Brasil ainda era um país viável!

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro e professor da UFMS. 8/4/2004

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