terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

 O SOCORRO VERMELHO

(Esta crônica será publicada no livro Histórias que ninguem vai contar)



O Socorro Vermelho Internacional foi uma organização que surgiu a partir de iniciativa da Internacional Comunista, no início do século passado. Tinha como objetivo defender àqueles que fossem vítimas da repressão em seu país, por participar em protestos ou movimentos de contestação. A organização ajudava, inclusive financeiramente, presos políticos e famílias de vítimas da repressão. Sua conotação básica era a da solidariedade. Na concepção original era uma frente de trabalho de massas, que deveria organizar amplamente o apoio da população aos vitimados. Mal comparando, hoje seria uma espécie de Greenpeace, ou Médicos Sem Fronteiras dos perseguidos políticos.

No Brasil, foi criada em 1924 pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), e seu ponto mais alto se deu quando da repressão ao Levante de 1935, a chamada Intentona Comunista.

Existia uma seção do Socorro Vermelho em Mato Grosso (uno). Nos anos 1960/1970, tomava conta dessa atividade a discreta Dona Lígia Pletz Neder, esposa do dirigente histórico do partido, Alberto Neder. Ela era a responsável pela organização da solidariedade aos militantes em necessidades e às suas famílias. Foi substituída, nesse desafio, por Yonne Orro, ajudada por várias outras camaradas. Pontualmente, Marisa Bittar foi responsável pelo Acelino Granja, um dos nossos quadros mais atingidos pela repressão.

Como Granja, entre nós, existiram muitos outros companheiros que dedicaram toda a sua existência à luta política pela mudança social através dos sindicatos e movimentos populares. Muitos eram presos e suas famílias padeciam com as suas ausências Muitos morreram deixando suas esposas e filhos completamente desassistidos. Generosos e dedicados à luta na qual acreditaram, esqueciam-se de si, numa doação quase religiosa à causa. Moravam muitas vezes em casas humildes, sem condições sanitárias, na periferia da cidade. Era olhando para essa situação que existia o Socorro Vermelho.

Com recursos partidários, campanhas especificas de finança ou contribuição de simpatizantes e militantes, os recursos eram arrecadados e destinados principalmente à assistência à saúde e à ajuda humanitária.      Contribuíam para essa ação muitas pessoas amigas, voluntariamente ou não. Lembro-me de um episódio especial. Uma militante nossa recebeu, como honorários, um generoso depósito em sua conta bancária. Julgado não merecedora desse valor, nossa camarada chegou a devolver a quantia, que era de novo retornada à sua conta. Diante dessa situação resolveu usar o dinheiro para um amplo abastecimento de roupas, remédios, material de alimentação, de cozinha de vários companheiros que recebiam ajuda local. Foram dois carros de compras, fora o material de construção. Uma carta de agradecimento em papel oficial do Partido foi enviada ao doador, uma pessoa conservadora, assinada pelos vários beneficiados, acompanhada pelas respectivas notas fiscais.

Outra ajuda humanitária que muitas vezes ocorria, era a destinação de recursos às despesas funerárias dos velhos camaradas. Chegamos a manter no Cemitério Parque das Primaveras, em Campo Grande, um túmulo para essa finalidade. Lá esses dedicados lutadores eram enterrados ao som da Internacional, educativamente cantada, a pleno fôlego, pelo Dr. Alberto Neder, reforçado pelo coro titubeante dos demais camaradas.

Solidariedade era, também, uma forma de luta política.

Fausto Matto Grosso

8 comentários:

Unknown disse...

Fausto é um prazer esta leitura!

Adriana Neder disse...

Meu Deus, você, Fausto, está me apresentando histórias de meus avós (Lygia e Alberto), que eu desconhecia.amei. muito obrigada.

Unknown disse...

Um relato importante para ajudar a compor o que um dia será a verdadeira história do Brasil, que ainda está pra ser contada.

Unknown disse...

Importante registro histórico, obrigada pelo reconhecimente a pessoa de minha mãe, Lygia Pletz Neder, sempre discreta, dedicada e solidária, fato este que conhecia e a respeito pela coragem, ainda que fosse apolítica. Meu pai, Alberto, teve pelos companheiros ao cantarem a Internacional, em sua despedida final, honrosa e respeitosa aos seus princípios políticos, comunista desde os primeiros anos universitário e jamais os abandonou, mesmo com as perseguições e prisões no Golpe de 1964! Obrigada.

Unknown disse...

Eliane Pletz Neder

Unknown disse...

Fui no enterro do Dr Alberto, Sueli me pediu que levasse o disco da Internacional, foi colocado num toca discos. Cantamos todos juntos. Foi emocionante

Unknown disse...

Veu,Faustto!!!👏🏿👏🏿👏🏿

Unknown disse...

Valeu, grande lembranca!!