quinta-feira, 4 de junho de 2020


OS MANIFESTOS


Já se disse que manifesto é a arte do barulho. Estes podem ser muito úteis, principalmente quando o som é do toque de reunir. Muitos deles mudaram a história dos povos.
  Aqui, de repente, tudo o que era sólido parece estar começando a se desmanchar no ar. A grande onda bolsonarista, que parecia imbatível, logo poderá virar marolinha, porque construída de ilusão e de medo. Afinal, tudo que era sagrado para o brasileiro, está sendo profanado – a vida, o respeito às leis, a tolerância ao diferente, a convivência fraterna e solidária, principalmente diante da doença e da morte. As pessoas estão começando a encarar com responsabilidade uma crise que ameaça nos colocar na barbárie, fora da democracia e da civilização.
  Até agora, as ruas pareciam dominadas pelo bolsonarismo. Hostis ao isolamento social, os bárbaros desfilavam em hordas, desafiando as autoridades sanitárias, atentando contra a saúde pública e promovendo aglomerações potencialmente disseminadoras do COVID-19. Aos mais antigos, lembram as manifestações dos caricatos camisas pardas do fascismo tupiniquim. Mas poucos dias atrás, novas cores entraram unidas na disputa, o alvinegro do Corinthians e o alviverde do Palmeiras. É muito pouco ainda. As manifestações não tiveram densidade de massa, porque o isolamento social tem dificultado, mas simbolicamente, nossa cultura popular trouxe a senha da necessidade e da possibilidade da unidade dos contrários, diante das ameaças à liberdade e à democracia.
  É nesse contexto que surgem três manifestos importantes para a resistência democrática. O primeiro, de profissionais do Direito, se intitula “Basta”, afirma que Bolsonaro “exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito e contra a saúde dos brasileiros”. O segundo assinado pelas principais associações de juízes e procuradores do País, que pede que haja “cautela e ponderação” de todos os que “exercem parte do poder estatal”, para que “a democracia, construída a partir de esforços de gerações, possa ser resguardada e aprimorada”.
  Finalmente, surge o manifesto “Estamos Juntos”, já assinado por milhares de cidadãs, cidadãos, empresas, organizações e instituições brasileiras, convocando-nos a sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro.
  Nele se afirma que “como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”.
  O movimento Diretas Já, evocado pelo manifesto, foi a maior mobilização política e social já ocorrida no País. Ele nos trouxe o ensinamento da necessidade de mobilizar as forças políticas de maneira ampla e suprapartidária quando existe uma causa comum. O movimento agregou diversos setores da sociedade brasileira. Participaram inúmeros partidos políticos de oposição ao regime ditatorial, além de lideranças sindicais, civis, artísticas, estudantis e jornalísticas. Embora derrotada a Emenda Dante de Oliveira, o movimento preparou as condições para a derrota da ditadura no Colégio Eleitoral, com a eleição de Tancredo Neves e José Sarney.
  O movimento Estamos Juntos, articulado pelo recente manifesto, está no rumo e vem na hora certa. O apelo pela unidade das oposições começou a fazer efeito, embora em momentos tensos sempre haja o risco de dissenções. Foi assim na Constituinte, na Anistia, no Colégio Eleitoral. Há que se ter, portando, todo o cuidado de manter sempre a porta aberta, afinal política é sempre movimento.
  Não é fácil cumprir esse desafio, principalmente cercados pela pandemia, mas tal é imperioso nesse momento em que a sociedade civil começa a romper o pessimismo imobilizante em que se encontrava. O cerco ao autoritarismo avança.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS

Um comentário:

Wanly disse...

Se não cercar, o autoritarismo se torna instituição, com os consequentes poderes advindos.
Urge restaurar a democracia plena e confiável, sem a espada de um tirano tropical a se agigantar sobre nossa liberdade pessoal,coletiva e econômica.