domingo, 17 de maio de 2009

REFORMA POLÍTICA E CULTURAL

Mais uma vez retorna à luz dos holofotes a questão da reforma política, agora contando com a articulação ostensiva do Poder Executivo e de sua base de apoio. Carregando a complexidade do tema e a diversidade dos interesses envolvidos, estão na ordem do dia o estabelecimento da votação em listas eleitorais pré-ordenadas para os legislativos, o financiamento público das campanhas, a “janela” para mudança de partidos um mês antes das convenções e o fim das coligações nas eleições proporcionais.
Muitos outros temas correm por fora, como é o caso do voto distrital e do estabelecimento do sistema parlamentarista de governo, este último, mesmo sendo o mais importante, pode, mais uma vez, vir de maneira casuística para resolver eventual impasse na sucessão presidencial.
O certo é que nenhuma medida pontual será capaz, sozinha, de produzir o milagre da recuperação da crença na política, assim como, mudança mais profunda no sistema político, não poderiam se resumir, a mudanças das regras eleitorais e partidárias, mas sim exigiriam um verdadeiro choque na cultura política das instituições e dos cidadãos.
Para começar, teríamos que contrapor o conceito de representação política ao de “classe política” composta de donatários de mandatos pessoais com “portabilidade”. Teríamos que acabar com a promiscuidade entre a máquina pública e as campanhas eleitorais. Teríamos que acabar com a imoral votação por amor, comprado.
Teríamos ainda que por fim a esse jogo cínico existente entre políticos de profissão e cidadãos-clientes, bem como ao jogo espúrio entre políticos investidores e os financiadores-de-mandatos. Nos dois últimos casos a ávida cobrança vem depois sob a forma de favores pessoais ou do ressarcimento dos investimentos feitos, sempre debitados ao erário público. Por trás de todas essas causas, que produzem a crise da representação, se encontram a fragilidade da cidadania, a debilidade da participação política e a fragilidade dos partidos políticos. Brasileiros que “não gostam” de política não podem reclamar da política que resulta das suas omissões.
Não há possibilidade de democracia sem participação cidadã. A democracia também não pode prescindir de políticos e de partidos políticos fortes, construídos em cima de programas nos quais se possa acreditar. É a esse déficit cívico que deve ser atribuída a qualidade, tão criticada, dos nossos representantes. Iguais aos jabotis em cima das árvores, nossos deputados e senadores só ascendem aos mandatos por votos conferidos pelos seus eleitores.
Nesse sentido, a qualidade da representação está diretamente ligada à qualidade da participação dos cidadãos. Mesmo considerando a profundidade da mudança necessária, alguns avanços, se adequadamente dirigidos, podem ajudar a desatar o atual nó da crise da política e da crise da democracia representativa. Uma grande marcha começa com o primeiro passo, já ensinava o professor Mao Tsé Tung. Entretanto, se de um lado a crise atual da representação pode ser a parteira de mudança, é preciso ter claro que ela será feita pelos políticos nascido das velhas formas que entraram em crise.
É necessário, portanto a pressão e a vigilância da opinião pública para que as expectativas hoje existentes não se frustrem e a reforma não se constitua em mero artifício esperto, para abrir as janelas para mudanças de partidos ou para aprovar um terceiro mandato presidencial, como alguns analistas têm apontado.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor da UFMS
faustomt@terra.com.br

Publicada no Jornal da Cidade - 17/05/2009

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