domingo, 1 de novembro de 2020

 

(Construindo um livro escrito página a página)
O FESTÃO, O COSMONAUTA E O CALDO DE PIRANHA*.

Era da tradição dos partidos comunistas manterem jornais oficiais. De certa forma essas publicações tinham o papel de centro organizador de sua militância e ajudavam a organizar um entorno de simpatizantes. O PCUS tinha o vetusto Pravda, na França L'Humanité, na Itália o L’Unitá fundado por Gramsci, o Partido Comunista Português mantém até hoje a Festa do Avante.

Aqui no Brasil, o PCB manteve, entre março de 1980 e junho de 1991, o jornal Voz da Unidade. Entre os editores e diretores alinhavam intelectuais e jornalistas como Armênio Guedes, Marco Aurélio Nogueira, Gildo Marçal Brandão, Martin Cezar Feijó, Luiz Carlos Azedo, Alon Fuerwerker e José Paulo Netto. Também realizava anualmente o Festão da Voz, um evento que juntava a militância provinda de todas as regiões do país, bem como representações internacionais, de um grande número de países. Grandes shows musicais, artesanato, artes plástica, faziam parte da programação, para a qual, uma das vezes levamos o Grupo Acaba, de Campo Grande. Os bonecos da Conceição dos Bugres tinham destaque na nossa barraca.

Mato Grosso do Sul sempre comparecia e em todas as festas e montava a sua barraca, com o tradicional caldo de piranhas. Cartazes anunciando o efeito miraculoso da iguaria eram postados em todos os cantos do evento. Um desses eventos ocorreu logo após um dos Jogos Olímpicos. Para São Paulo deslocou-se toda a delegação premiada de ginastas e bailarinos. Além desses, delegações vietnamitas, chinesa, americana e de inúmeros outros partidos pelo mundo afora.

De nossa parte, fazíamos o melhor possível, mas numa dessas ocasiões, na hora de preparar a viagem, não encontramos piranha para comprar, o jeito foi comprar pacú, mantendo a propaganda que atraía a todos.

O triste era que os estrangeiros exigiam tirar fotos com as vorazes e perigosas piranhas. Não tinha jeito, os estrangeiros levaram fotos pessoais segurando aqueles espécimes enormes. Se estiveram presentes espiões científicos, devem estar até hoje tentando entender o tamanho das nossas piranhas.

Eu e minha mulher, nessa ocasião, ficamos no hotel onde foram alojadas as delegações internacionais, o Hotel Cambridge.  Nosso quarto ficava próximo ao quarto do cosmonauta, condecoradíssimo herói soviético. Um vexame. A noite inteira ele ficou correndo atrás das interpretes e recepcionistas, auto sugerido pelas virtudes do nosso caldo de ...piranha!

  Ficou mostrado assim, que o vetusto e temido Exército Vermelho, fundado por Trotski, tinha um flanco vulnerável.

  O último Festão, por volta de 1981, foi impedido pela polícia. Alguns de nós tínhamos ido de avião, com antecedência, e avisamos do cancelamento, antes que os ônibus partissem de Campo Grande. Foi um prejuízo enorme, todo o material comprado ficou encalhado, debaixo de críticas da nossa Secretaria de Finanças, que passou a chamar os bugrinhos da Conceição de “bibelôs” Pouco tempo depois, mandamos esse material para a festa do L’Humanité. Foi um sucesso. Recebemos até uma correspondência oficial de agradecimento do Partido Comunista Francês.

Fausto Mato Grosso

* Versão ajustada após sugestões de José Antônio Segatto e Regis Fratti

2 comentários:

Unknown disse...

Você, Fausto Matto Grosso , grande profissional,escritor, lutador pela justiça,honestidade,para um Brasil melhor e muito mais sss ... Toda admiração, caríssimo amigo!

Elias Borges disse...

Caríssimo Fausto, histórias como essa humanizam o entendimento dos camaradas que não viveram esses momentos. Forte abraço!