(Construindo um livro escrito página a página)
O FESTÃO, O COSMONAUTA E O CALDO DE PIRANHA*.
Era da tradição dos partidos comunistas manterem jornais
oficiais. De certa forma essas publicações tinham o papel de centro organizador
de sua militância e ajudavam a organizar um entorno de simpatizantes. O PCUS
tinha o vetusto Pravda, na França L'Humanité, na Itália o L’Unitá fundado por
Gramsci, o Partido Comunista Português mantém até hoje a Festa do Avante.
Aqui no Brasil, o PCB manteve, entre março de 1980 e junho de
1991, o jornal Voz da Unidade. Entre os editores e diretores alinhavam
intelectuais e jornalistas como Armênio Guedes, Marco Aurélio Nogueira, Gildo
Marçal Brandão, Martin Cezar Feijó, Luiz Carlos Azedo, Alon Fuerwerker e José
Paulo Netto. Também realizava anualmente o Festão da Voz, um evento que juntava
a militância provinda de todas as regiões do país, bem como representações
internacionais, de um grande número de países. Grandes shows musicais,
artesanato, artes plástica, faziam parte da programação, para a qual, uma das
vezes levamos o Grupo Acaba, de Campo Grande. Os bonecos da Conceição dos Bugres tinham destaque
na nossa barraca.
Mato Grosso do Sul sempre comparecia e em todas as festas e
montava a sua barraca, com o tradicional caldo de piranhas. Cartazes anunciando
o efeito miraculoso da iguaria eram postados em todos os cantos do evento. Um
desses eventos ocorreu logo após um dos Jogos Olímpicos. Para São Paulo
deslocou-se toda a delegação premiada de ginastas e bailarinos. Além desses,
delegações vietnamitas, chinesa, americana e de inúmeros outros partidos pelo
mundo afora.
De nossa parte, fazíamos o melhor possível, mas numa dessas
ocasiões, na hora de preparar a viagem, não encontramos piranha para comprar, o
jeito foi comprar pacú, mantendo a propaganda que atraía a todos.
O triste era que os estrangeiros exigiam tirar fotos com as
vorazes e perigosas piranhas. Não tinha jeito, os estrangeiros levaram fotos
pessoais segurando aqueles espécimes enormes. Se estiveram presentes espiões
científicos, devem estar até hoje tentando entender o tamanho das nossas
piranhas.
Eu e minha mulher, nessa ocasião, ficamos no hotel onde foram
alojadas as delegações internacionais, o Hotel Cambridge. Nosso quarto ficava próximo ao quarto do
cosmonauta, condecoradíssimo herói soviético. Um vexame. A noite inteira ele
ficou correndo atrás das interpretes e recepcionistas, auto sugerido pelas
virtudes do nosso caldo de ...piranha!
Ficou mostrado assim,
que o vetusto e temido Exército Vermelho, fundado por Trotski, tinha um flanco
vulnerável.
O último Festão, por
volta de 1981, foi impedido pela polícia. Alguns de nós tínhamos ido de avião,
com antecedência, e avisamos do cancelamento, antes que os ônibus partissem de
Campo Grande. Foi um prejuízo enorme, todo o material comprado ficou encalhado,
debaixo de críticas da nossa Secretaria de Finanças, que passou a chamar os
bugrinhos da Conceição de “bibelôs” Pouco tempo depois, mandamos esse material
para a festa do L’Humanité. Foi um sucesso. Recebemos até uma correspondência
oficial de agradecimento do Partido Comunista Francês.
Fausto Mato Grosso
* Versão ajustada após sugestões de José Antônio Segatto e Regis Fratti
2 comentários:
Você, Fausto Matto Grosso , grande profissional,escritor, lutador pela justiça,honestidade,para um Brasil melhor e muito mais sss ... Toda admiração, caríssimo amigo!
Caríssimo Fausto, histórias como essa humanizam o entendimento dos camaradas que não viveram esses momentos. Forte abraço!
Postar um comentário