(um livro escrito página a página)
O INCRÍVEL
EXÉRCITO DE BRANCALEONE
Na Itália do
século 11, o maltrapilho Brancaleone forma um exército de mortos de fome e
parte em direção a terras a que julga ter direito. Percorrendo a Europa
medieval em um pangaré, ele se depara com a peste negra, com bruxas e bárbaros.
Muitos séculos
depois, no final dos anos de 1960, um grupo de irrequietos jovens
universitários se encontra nas férias em Campo Grande, com as cabeças cheias de
ideias. O Brasil vivia os “anos de chumbo”, o cheiro de pólvora estava no ar.
Para muitos, a luta armada parecia ser o caminho para derrotar a ditadura.
Plagiando
Gullar, éramos apenas 5, tínhamos sede de justiça e estávamos dispostos a lutar
por ela. Os primos Alberto e Ronaldo, estudantes de Medicina, o espírita
Aymoré, o engenheirando Joaquim, e este que vos fala, aquidauanense de coração
e botafoguense nas horas vagas.
Tínhamos que
estar preparados, afinal a convocação poderia vir a qualquer momento.
Resolvemos
fazer um treino de caminhada longa. Imediatamente Aquidauana veio à mente. A
cerca de 150 km de distância, em 3 dias estaríamos lá. A voz da prudência
apontou que deveríamos antes, fazer um treinamento do treinamento e acabamos
adotando um trecho mais curto, de cerca de 30 km para que atingíssemos a
fazendinha dos avós de um dos aventureiros, na saída para Dourados.
Em termos de marchas e acampamentos, as
mochilas e as barracas ainda não estavam na moda e o jeito foi improvisar. Com
nossas sacolas amarradas com cintos e correias, nos viraríamos. Não tínhamos
também calçados adaptados para caminhadas, mas essa era uma questão menor. O
maior problema de logística era a barraca. Conseguimos uma com um parente,
daquelas de pescarias. Ela era sustentada, no centro, por um poste de aço
fundido, superpesado. Todas as maneiras de carregar o poste da barraca foram
tentadas. Com os cinco, com quatro, com três, com dois, por um de arrasto, um
grande aprendizado.
Eu, com o
encargo de cozinheiro, levei a melhor receita de carreteiro. Adicionalmente,
foram providenciados suplementos alimentícios como leite em pó, chocolate e
goiabada, afinal não existiam por aqui aquelas latas de feijão, como no velho
oeste.
Se não me
engana a memória, tínhamos também soro antiofídico. Mas o Alberto era alérgico
a essa droga, de forma que a marcha só foi desinterditado pela sua mãe, após o
compromisso de fazer toda a caminhada calçando botas de canos longos. Lembrava
um lorde inglês caçando raposas. O resultado foi que lá pela altura do
Cemitério Santo Antônio ele já estava com insuportáveis bolhas nos pés e teve
que marchar direto, quase sem descanso.
Saímos pela
madrugada, ainda encontrando alguns amigos, saindo das festas, a nos gozar pela
estranheza da trupe.
O primeiro
obstáculo a superar foi o posto da Polícia Federal. Logramos êxito após algumas
justificativas mentirosas.
Caminhávamos
50 minutos e interrompíamos por 10 para descanso. Era tempo para a recuperação
da diferença de distancia do Alberto. Fomos impiedosos com ele. Desprezamos o
ensinamento de camaradagem do Che, de que a marcha de uma coluna deve ter a
velocidade do combatente mais fraco.
Marchamos até
a fome apertar nossas barrigas. Daí entrei em ação, para cozinhar nosso
carreteiro. Com alguns gravetos (verdes e úmidos) fizemos o fogo, o que causou
uma fumaceira infernal. De tempo em tempo eu abria a caçarola para ver se já
estava pronto o carreteiro. Resultado, tivemos que jogar fora todo a comida,
pelo intragável gosto de fumaça e, ainda em começo de viagem, tivemos que
repartir o estoque de estratégico, o chocolate, o leite em pó e a goiabada.
Na boquinha da
noite chegamos à fazendinha. Montamos a barraca perto de um alagado. Foi quando
surgiu a primeira fraqueza pequeno-burguesa. Poderíamos usar a piscina ou não?
A casa da fazenda, nem pensar. Acabamos amenizando nosso cansaço e calor na
piscina até chegarem as estrelas.
Voltamos para
a barraca, nosso segundo percalço. A barraca tinha sido tomada por uma fila de
imensas formigas que inutilizaram nossos alimentos. Eram prováveis agentes da
reação. Veio então segunda concessão pequeno-burguesa, acabamos aprovando, por
unanimidade, que íamos utilizar a casa da fazenda. O Alberto ardia em febre,
com os pés rachados e super-inflamados.
Ficamos mais
um dia, refestelados na piscina e comendo manga. Até que tivemos que dar um
recuo tático e chamarmos sua família. Foi a terceira derrota
pequeno-burguesa.
Voltamos para
casa de caminhonete, derrotados temporariamente, mas ninguém pode dizer que não
tentamos.
Fausto Matto
Grosso
7 comentários:
Fantástico!!
Muito boa! Final dos 1960...
Supreendeu- me, pois sempre vi você, com livro na mão.
Jamais pensaria, que fosse capaz de fritar um ovo, quanto mais um carreteiro.
Tá certo, nunca fui bom nesse oficio
Gostei muito, descrição descrição perfeita daquela época de aventuras! Parabéns!
Fausto, você sempre surpreendendo. Grande aventura. Parabéns pela tentativa heróica. Abraço fraterno
Muito boa essa história!
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