(Um livro escrito página a página)
AINDA QUER RECEBER!
Meu primeiro período
como professor da UFMS (1972-1974) foi muito gratificante. Ao final de 1974 fui
demitido da Universidade por razões políticas, mas isso é outra história.
Recém-criado, o curso de Engenharia atraiu uma demanda reprimida, de tal sorte
que, com meus 23 anos de idade, era praticamente da geração de meus alunos. Fiz
muitas amizades.
Tive excelentes
alunos, alguns pouco nem tanto. Fui um professor muito rigoroso, afinal minha
escolha tinha sido uma opção política. Para mim, ser professor era uma espécie
de sublimação da política. Entrei na condição de professor querendo modificar o
que tinha achado inadequado na minha própria formação. Meu plano de ensino era
ambicioso e os índices de reprovação, em Resistência dos Materiais (Mecânica
dos corpos deformáveis), eram altíssimos, como costuma ser em todos os cursos
de Engenharia. Eu era muito exigente, afinal, nessa área, eu tinha sido aluno
professores brilhantes. Pois bem, tive um aluno muito inteligente, mas que não
gostava de estudar. Comigo isso não dava certo, sai melhor o aluno estudioso.
Foi reprovado e prometeu me atropelar de carro. Fazia parte.
Após minha demissão,
acabei caindo de cabeça no cálculo estrutural. Naqueles anos oitenta de crise
econômica profunda, meus maiores clientes eram o Governo do Estado e os bancos,
ou seja, onde havia dinheiro. Com a divisão de Mato Grosso, de novo, Pedro
Pedrossian, assumiu o governo. Era o tocador de obras. Advinhem quem assumiu o
Departamento de Obras Públicas? Exatamente, aquele que queria me matar.
Mas a sorte me
protegeu. Só existiam aqui dois escritórios de cálculo estrutural que tinham
porte para aguentar o ritmo de Pedrossian, o meu e o de outro comunista, o
Euclides de Oliveira, uma figura notável.
Em 1935 era capitão do exército, e tinha participado do levante
comunista, quando ficou preso com Graciliano Ramos, conforme descrito no livro
Memória do Cárcere. Aliás, comunista gosta de sofrer, por isso gosta de ser
calculista.
Não tendo jeito, o
governo tinha que me passar projetos. Muitos projetos! O duro era receber.
Certa vez fui cobrar
minhas faturas. Meu ex-aluno inteligente olhou para mim e disse: “Fausto, você
é comunista, vive falando mal do governo, nós te damos serviço e você ainda
quer receber!!!!”
Consegui fazer o
governador ficar sabendo. Ele chamou o diretor, aliás, seu parente, e o
enquadrou: “você não devia ter dado projeto para ele, mas se deu, trate de
pagar”. Assim consegui me salvar, embora muitos dos meus créditos, protegidos
pela URV, tenham ficado para o governo seguinte pagar.
Fausto Matto Grosso
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