O PAPEL DA EXTENSÃO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
(Exposição
feita na UnB, em janeiro de 1996 (?)durante Fórum de Extensão do
Centro Oeste)
Inicialmente
devo dizer que, no fundamental, não farei uma abordagem de cunho
epistemológico como o tema sugere. Em um encontro como este, de
gestores de políticas de extensão das universidades do
centro-oeste, a contribuição mais positiva que posso dar é a de
externar algumas reflexões, embora singelas, originadas no cotidiano
da nossa prática universitária. Serão reflexões sobre como se
problematiza entre nós a extensão e a sua relação com a produção
universitária. Tenho certeza que são contribuições modestas,
principalmente diante daquelas que esta nossa reunião recolherá de
alguns dos nossos conferencistas, reconhecidos estudiosos da prática
extensionista das universidades brasileiras.
Falo,
principalmente, como um gestor e não como um investigador. Minha
contribuição é mais no sentido de colocar inquietações e dúvidas
que, por certo, serão comuns a muitos dos pró-reitores aqui
reunidos. Se eu conseguir colocar claramente as questões que nos
provocam como administradores, ou seja, a nossa pauta, acho que
terei cumprido o meu papel.
Primeiramente
gostaria de definir um ponto de partida para as nossas reflexões. A
Constituição de 88, no artigo 205, fixa como objetivo da educação
o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. São três
conceitos chaves: pessoa (aí incluida a individualidade), cidadania
e trabalho.
Tenho
convição que esses três conceitos não podem ser analisados
genericamente, necessitando sim serem objetivados em relação a uma
dada sociedade e a um determinado período histórico. Precidamos
procurar entender como se coloca hoje, na sociedade brasileira, a
pessoa, o cidadão e o trabalhador. Compreender o tempo em que
vivemos é, portanto, fundamental para respondermos o papel da
educação e o papel da extensão universitária.
Nesse
sentido, é importante observar que a partir dos anos 60 o mundo
começou a viver uma importante transição rumo a um novo paradigma
produtivo. Na raíz desse processo estava a Revolução
Científico-Tecnológica - conjunto de novas tecnologias levadas à
produção como a informática, a micro-eletrônica, a telemática, a
biotecnologia, os novos materiais, a química fina, etc.
Se
a Revolução Industrial, simples utilização de máquinas na
produção, havia produzido a modernidade do Séc. XX, o que esperar
agora da utilização de computadores, de robôs e de sensores
eletrônicos no processo produtivo ?. Fazendo uma comparação
singela, enquanto aquelas respresentavam simples extensões do braço
do homem, estes últimos representam verdadadeiras extensões do
cérebro e dos sentidos do homem no processo produtivo.
No
plano econômico as mercadorias passam a valer mais pela densidade de
informação que contém do que pela quantidade de trabalho direto
empregado na sua produção.
A
velocidade da produção do conhecimento assume escala cada vez mais
acelerada. Futurólogos apontam que no ano 2020, o acervo de
informação da humanidade estará sendo duplicado a cada 83 dias, as
profissões não teriam mais do que 9 anos de duração e as
especializações tempo ainda menor.
A
história da humanidade, no fundamental, tem sido a história da
maneira como se trabalha. O impacto desse salto tecnológico, está
mudando, profundamente, a forma de trabalhar, consequentemente
transformando também todo o conjunto de relações humanas dela
decorrentes, inclusive as que definem a individualidade, a cidadania
e as relações de trabalho. Tão profundas as tranformações que
há quem diga que passamos a viver uma crise de civilização. Crise
naquele sentido de que o velho está morrendo e o novo ainda não
nasceu. Hobsbawn, por exemplo, afirma que o século XX já terminou
no começo dos anos 90.
Vivemos
hoje as dores do parto de um novo ciclo civilizatório marcado por
inúmeras possibilidades humanizadoras, mas ao mesmo tempo ameçador
de exclusão de milhoões de seres humanos. No plano social e
político, longe deste momento representar o “fim da história”,
acredito que a nossa e as próximas gerações serão atingidas por
graves convulsões sociais, prenunciadoras de novos ordenamentos
societários. O mesmo Hobsbawn nos sinaliza que, “entre 1970 e
1991, dá-se o “desmoronamento”, quando caem por terra os
sistemas institucionais que previnem e limitam o barbarismo
contemporâneo, dando lugar à brutalização da política e à
irresponsabilidade teórica da ortodoxia econômica, abrindo as
portas para um futuro incerto”.
Chamemos
essa nova realidade de “sociedade da informação”, “pós
moderna”ou “pós-industrial”, a verdade é que o mundo está
sendo redesenhado, ainda que entre nós, como é comum em nossa
história, este processo se apresente tardiamente.
Nessa
nova realidade como será o processo de produção do conhecimento?
Será possível pensar o desenvolvimento científico e tecnológico
baseado apenas na produção das Universidades ? Que papel estará
reservado para a Universidade e para a produção universitária ?
Surgirá uma nova praxis universitária ? Estará a Universidade,
política, acadêmica e adminstrativamente preparada para os seus
novos papéis? E é dentro deste contexo que devemos nos perguntar
qual será o novo pardigma da extensão universitária ? Estas
questões, para as quais não tenho resposta, mais cedo ou mais tarde
teremos que desvendar.
Minha
fala daqui para frente tem que ser entendida no seu claro carater
provocativo. Longe de mim ter respostas para tão complexas
questões. Lanço então algumas opiniões, em forma de teses, muito
mais para abrir algumas polêmicas e tensionar as discussões no
rumo dos novos paradigmas que precisam ser construidos.
Primeira
tese: embora de maneira desigual, a humanidade está revolucionando a
maneira de apropriação do conhecimento, fruto da utilização de
novas tecnologias de informação.
É
só observarmos como nosso filhos se relacionam com os video-games,
com os computadores, como se sociabilizam pela plugagem em redes, que
podemos sentir, em alguma medida, o que está por vir.
Se
tentarmos, com eles disputar a eficiência no acesso às informações
através desses meios eletrônicos, por certo, estaremos condenados à
derrota. Enquanto, cartesianamente, buscamos os caminhos na leitura
dos manuais dos equipamentos e dos softwares, eles, usando a prática
da experimentação em alta velocidade, do acerto e do erro, vão nos
deixando rapidamente para trás. Alguns cientistas tem realizado
estudos que apontam até o surgimento de novos mecanismos de
elaboração mental nessas novas gerações.
Acredito
que a educação formal, terá, mais cedo ou mais tarde, que
adaptar-se, radicalmente, a essa nova realidade. A educação, ao
que parece, tenderá cada vez mais a exigir a experimentação.
Talvez estejamos caminhando rumo a uma nova valorização do
empírico, mas agora isso acontecendo em um nível superior, com a
utilização de instrumentos de simulações, hoje disponíveis, como
a realidade virtual.
Como
a experimentação tem acentuado carater individual, um
multiplicidade de caminhos serão percorridos, pelo diferentes
atores, na construção do conhecimento, com um fortalecimento da
individualidade e ampliação da diferenciação.
Entretanto,
em um aparente paradoxo, a produção do conhecimento e o acesso às
informações se darão em uma escala muito mais ampliada
socialmente. A relação entre os centros produtores de
conhecimento, e a sociedade, tenderá a ser muito mais íntima..
Logicamente
os riscos da alienação, do desligamento do real, serão enormes,
mas para enfrentá-los teremos que ter em conta esta megatendência e
a ela respondermos adequadamente. Fazer essa ponte entre o “virtual”
e o real da sociedade, será uma das funções da extensão
universitária.
Segunda
tese: A experiência de construção da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão, clama por uma crítica que aponte na
superação dessas categorias por conceitos mais globalizadores.
Começemos
pela simulação de uma questão muito próxima da nossa experiência
administrativa. O que aconteceria, em nossa Universidade, com um
programa ou projeto que fosse formatado com o nível de
indissociabilidade, que na nossa retórica corrente costumamos cobrar
? Tenho a segurança em responder por todos os pró-reitores
presentes: tal projeto teria imensa dificuldade para conseguir
aprovação nas instâncias das nossas universidades. E isto
aconteceria, fundamentalmente, porque à retórica da
indissociabilidade não corresponde uma estrutura de adminstração
acadêmica voltada para a construção dessa integração.
Mudar
essa realidade, com certeza, não é fácil, afinal, as diferentes
pró-reitorias, com todo o seu acervo de normas, comissões,
burocracia, etc, são espaços de poder.
Sinto
que o próprio conceito de indissociabilidade contém, muito
fortemente, a idéia de que ensino, pesquisa e extensão são, e
devem continuar sendo, funções diferenciadas. Parece ser
necessário construir um novo conceito mais ligado à idéia de
unidade do processo de construção e democratização do
conhecimento.
Terceira
tese: Com a rapidez com que caminha atualmente a produção do
conhecimento, a idéia do curso universitário como ponto terminal
precisa ser definitivamente arquivada em benefício da idéia da
educação continuada.
Cada
vez mais afirma-se o papel da Universidade como formadora do espírito
crítico e da capacidade investigativa do aluno, em contraposição à
escola repassadora de informações, técnicas e habilidades.
Em
uma sociedade que duplica o conhecimento acumulado a cada 8 anos,
como acontece atualmente, de que valem as informações que possamos
repassar hoje aos nosso alunos? Ao que parece, à curto prazo, ficará
superado o papel das Universidades, como chanceladoras cartoriais de
profissionais prontos e acabados. Ensinar a aprender hoje e a
continuar aprendendo pelo resto da vida é a tarefa que se cobra hoje
da educação.
Nesse
sentido, os diversos currículos universitários devem ser
repensados. É necessário que se cuide, básicamente, de promover
uma sólida formação conceitual em relação aos fundamentos
científicos da área profissional específica (parte mais estável),
de capacitar para a utilização do método da ciência (para
capacitar o profissional à apreensão permanente do conhecimento
novo), de preparar para o domínio dos códigos de comunicação
(expressão oral, linguas estrangeiras, informática, etc) e
desenvolver, durante a formação, as responsabilidades sociais
inerentes à cidadania.
Mas
como a prática profissional também precisa das informações e
metodologias permanentemente atualizadas, a universidade será, cada
vez mais, cobrada a realizar a reciclagem profissional. Se ela não
assumir este papel, outras instituições o farão.
Está
aberto portanto um amplo campo de interação da universidade com a
comunidade profissional por ela formada, de alta importância para o
desenvolvimento do país. Ao mesmo tempo essa relação exigirá da
universidade uma atualização permanente em relação à realidade
da sociedade, nos seu diversos aspectos.
Quarta
tese: O esgotamento do modelo de desenvolvimento brasileiro torna a
Reforma do Estado uma necessidade objetiva, demandando um novo papel
para as instituições públicas e impondo às uiniversidades, a
busca de nova relações que lhe relegitimem perante a sociedade,
demandando-se assim novas responsabilidades para a extensão
universitária.
Nas
discussões que se travam atualmente sobre a Reforma do Estado e de
seus impactos sobre a Universidade, é comum atribuir-se todo esse
processo à uma articulação que decorre imediatamente do “Consenso
de Washington”. Tal idéia, bem de acordo com uma visão
conspirativa da história, é muito simplista. Imagina-se que uma
reunião de alguns funcionários governamentais, com dirigentes de
alguns organismos financeiros internacionais, e de algumas empresas
multinacionais possam dirigir, ao seu bel prazer, todo o
desenvolvimento da história.
Na
verdade, o processo que vivemos tem origem mais profunda, na própria
reorganização produtiva produzida pela Revolução
Científico-Tecnológica. Em Washington, o que se fez foi, a partir
da percepção dessa realidade, tentar trabalhá-la segundo os
interesses daqueles grupos hegemônicos. Enquanto isso nós fechamos
os olhos a essa transformação profunda e passamos a “jogar na
defensiva”, tentanto perpetuar instituições com formatos que
correspondiam a etapas ultrapassadas do processo histórico.
Sem
ceder às ilusões ou ao idelogismo do “estado mínimo”, é
preciso reconstruir o Estado brasileiro, para que ele seja, de fato,
público, democrático, moderno, eficiente e sirva ao bem comum.
Seguramente este novo Estado, pela natureza das transformações
civilizatórias que estamos assistindo, precisará, cada vez mais de
instituições de produção de ciência, de tecnologia, de educação
e de cultura.
A
Universidade deve então buscar afirmar o seu papel junto à
Sociedade. Para isso precisa, preliminarmente, avaliar-se e eliminar
seu bolsões improdutivos, ociosos, alienados e parasitários. Fazer
um corte radical com o corporativismo que, no fundo, é uma forma de
privatização da universidade.
A
partir disso poderá, então, reforçar sua função de produtora de
conhecimento e sua relação transformadora com a sociedade,
comprometendo-se com a solução dos graves problemas do País e da
sua inserção, não subalterna, nessa nova ordem em formação.
E
aí, não se pode, em uma reunião realizada na UNB, deixar de
lembrar o Prof. Darcy Ribeiro em seu discursso de posse como primeiro
Reitor desta Universidade, nos idos de 64, quando ele nos ensinava
que o papel da Universidade era “pensar o Brasil como problema”.
Mais de três décadas depois, radicalizar este compromisso continua
a ser uma tarefa atual para todos nós. E falar desse assunto é
naturalmente falar de extensão universitária, é falar de
conhecimento exercendo uma relação transformadora com a sociedade.
Cumprido
esse desafio, teremos fortalecida a nossa legitimidade na sociedade e
passaremos a tê-la como aliada em nossa luta para afirmar nossa
condição de instituição útil e imprescindível à construção
de um projeto humano mais decente neste ponto do planeta.
FRANCISCO
FAUSTO MATTO GROSSO PEREIRA
Pró-Reitor
de Extensão e Assuntos Estudantís da UFMS
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