INTROMISSÃO E SUBMISSÃO (*)
Emenda
parlamentar é um assunto que não deveria ser comentado na sala, em
frente das crianças. Entretanto, esse foi tema mais noticiado neste
começo de ano, pela mídia escrita e eletrônica que entra nas
nossas casas. Trata-se do recanto mais escuro e de pior cheiro da
política brasileira.
Naturalmente
não me refiro às pessoas, mas sim a uma situação estrutural, que
precisa ser desnudada, para ser mudada. Isso é importante até para
que políticos íntegros e bem intencionados, imagino que eles
existam, possam escapar desse lodaçal.
Legislativo
é legislativo e executivo é executivo essa deveria ser a regra
básica. Harmonia mas independência é o mandamento constitucional.
O
parlamento, na sua tarefa de acompanhamento e fiscalização do
Executivo, deveria se dedicar a avaliar o alcance finalístico dos
programas e projetos realizados, ou seja, saber se o dinheiro público
serviu para melhorar, na ponta, a vida das pessoas.
Deveria
avaliar se os recursos foram distribuídos pelos critérios técnicos
previstos nos programas, de maneira transparente e republicana, ou ao
contrário, se serviu para politicagem barata, tão cara para o bolso
do contribuinte.
Essa
deveria ser a preparação para a análise qualificada e para a
decisão a respeito do que pede o Governo para o ano seguinte,
cortando programas de baixa efetividade, fortalecendo aqueles que
melhor atendem as necessidades dos brasileiros, equilibrando, com a
responsabilidade do mandato popular, a distribuição dos recursos
entre os diferentes programas, funções e ministérios. Ou seja,
tratando do projeto de orçamento nos seus delineamentos maiores, a
partir de uma visão de desenvolvimento nacional e combate aos
desequilíbrios regionais.
A
partir daí, o Executivo deveria ser liberado, sob fiscalização,
para exercer o seu papel de governar. Fora disso seria intromissão
indevida do Legislativo em assuntos que não lhe dizem respeito, e
para o qual, embora venha revelando apetite, não tem aptidão.
A
emenda parlamentar é um instrumento de interesse dos Executivos para
controlar os Legislativos, mas também, dos legisladores para
viabilizarem as suas respectivas reeleições.
O
orçamento é apenas uma lei que autoriza o governo a gastar em
determinado projeto, mas não impõem a decisão de fazê-lo. A
partir da proposição das emendas algumas coisas começam a
acontecer. Os parlamentares vão para os estados e municípios para
montar o jogo, com toda a cobertura de mídia, com governadores,
prefeitos e entidades, o famoso “me engana que eu gosto”. Já o
Executivo cria o famoso tabuleiro do franciscanismo do “é dando
que se recebe”, do “toma-lá dá-cá”, do “amor remunerado”,
seja lá o nome que se queira dar.
Depois
vem a realidade. Das emendas parlamentares somente uma parcela ínfima
é liberada, assim mesmo mediante chantagem nos momentos das votações
decisivas para o Governo. É a hora em que o computador do Planalto
pega fogo, selecionando quem pediu o que. Assim a ponte para Cabrobó,
ou a ambulância para Nossa Senhora da Mata a Dentro, são trocada
por votos na CPMF e coisas tais. Pior, isso acaba valendo tanto para
a situação como para a oposição de conveniência. É o que nós
sempre vemos, mas nem sempre entendemos.
Durante
a execução dessas disputadas emendas o escândalo é ainda maior.
As emendas têm “donos”, mesmo aquelas de bancadas são
distribuídas para “donos” virtuais. Esse é o reino do baixo
clero, a Sapucaí da política brasileira, que tão exposto ficou nos
escândalo dos anões do orçamento, das ambulâncias, da Gautama e
tantos mais.
Essa
é uma lição que deveria ser ensinada na escola primária: não
vote em parlamentar que diz que vai trazer dinheiro para o estado.
Vote em que vai fiscalizar a lisura e a qualidade das ações dos
governos, a transparência e o uso mais adequado dos recursos dos
impostos, que vai contrapropor diretrizes, programas, projetos e
ações que mais implicam em mudanças na vida do brasileiro.
Quanto
a mim, desde criancinha, sempre senti urticária cívica diante do
discurso de trazer dinheiro para o estado. Tem doenças das quais a
gente nunca consegue se livrar.
Fausto
Matto Grosso
(*)
Artigo originalmente publicado em 17 de fevereiro de 2008, no Jornal
da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br), de Campo Grande
(MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.
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