O MOVIMENTO ANTIVACINA
Atreva-se a conhecer.
Esta frase sintetiza o desafio lançado pelo Iluminismo durante o século XVIII
na Europa. O Século das Luzes foi um período em que se opôs a ciência à
ortodoxia religiosa, entre as quais as teses místicas que afirmavam que as
doenças eram castigo divino. A partir dessa época, a razão foi colocada como
principal fonte de autoridade e de legitimidade das ideias. Nesse período,
começaram a serem defendidos os ideais de liberdade, progresso, tolerância,
fraternidade, e separação Igreja–Estado.
A escuridão dos tempos
atuais clama por nova iluminação, com a defesa da ciência e do conhecimento
racional como meio de superação de preconceitos e ideologias tradicionais.
Um dos sinais da
escuridão é o atual movimento antivacina, que defende que os imunizantes não
protegem contra as doenças e podem colocar a saúde em risco. A Organização Mundial de Saúde (OMS) em
recente relatório afirma ser tal movimento um dos dez maiores riscos à saúde
global, sendo tão perigoso quanto os vírus mais temíveis.
O movimento antivacina
tem crescido no mundo e no Brasil. Um dos marcos dessa explosão foi a
publicação de um estudo na conceituada revista Lancet em 1998 de autoria do
médico britânico Andrew Wakefield que relacionava a vacina tríplice viral
contra caxumba, sarampo e rubéola com a ocorrência de autismo em crianças. Logo
depois, o artigo foi desqualificado por inúmeros cientistas e pela própria
revista. Mas depois que algo dessa gravidade chega à população, fica difícil
desfazer o estrago. Até hoje, esse artigo desqualificado de Wakefield é utilizado
e generalizado por inúmeros grupos antivacina. É provável que isso esteja por
trás do retorno de inúmeras doenças que já foram consideradas praticamente
erradicadas.
Os negacionistas da
ciência formam um grupo bastante heterogêneo. Dentro dele estão desde os
ingênuos e preguiçosos mentais até aqueles que ganham dinheiro com as crendices
do povo empurrando praticas médicas alternativas duvidosas ou falsas, como as
curas herbalistas, homeopáticas, quiropraxistas e neuropatas que se oferecem em
sites de grande apelo. O movimento antivacina tornou-se um grande negócio, em
um momento de comoção mundial e avanço do populismo.
No Brasil, recente
pesquisa da divisão de estudos estatísticos da revista digital Poder 360,
aponta que entre julho e dezembro de 2020 o número daqueles que tomariam vacina
passou de 85% para 60% e o grupo dos que não se vacinaria passou de 8% para
28%, mostrando o estrago causado pelo movimento antivacina.
A sociedade brasileira
precisa reagir mais enfaticamente. As redes científicas e profissionais tem que
assumir responsabilidade com o país. Os cientistas precisam se mostrar mais e
ampliar seu diálogo com a sociedade, inclusive através das mídias sociais, onde
os antivacinas trafegam com desenvoltura. Cada fake news tem que ser desmoralizado
com a palavra da ciência e da razão.
Os provedores de
mídias sociais, institucionalmente, devem ser mobilizados a cumprir um papel
responsável, enfrentando o domínio do império das poderosas mídias antivacinas.
O Supremo Tribunal Federal, em julho do ano passado mandou bloquear as contas
dos aliados de Bolsonaro no Twiter e Facebook "para a interrupção dos
discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da
normalidade institucional e democrática". Da mesma forma, e com transparência,
é preciso banir as mensagens antivacina, que constituem um crime contra a
humanidade.
A situação é tão grave
que o próprio Ministério da Saúde o criou um serviço WhatsApp, para vigiar e
esclarecer as mensagens fake news quanto à pandemia. É uma necessidade tornar
esse canal mais proativo e acessível à população.
Maria Augusta Rahe Pereira, médica
Fausto Matto Grosso, engenheiro
6 comentários:
Parabéns pelo artigo. Sendo duas pessoas e profissionais tão idôneas, sinto mais tranquilidade, pois tenho recebido vidros com matérias da CNN relatando sérias reações alergicas em médicos, inclusive, que tomaram a vacina. Daí a gente se sente insegura e contraria a ser cobaia de resultados tão rápidos de solução. GRATA. Maria Helena Brancher
Esse movimento anti-vacina existe no mundo, mas no nosso caso, um presidente que faz campanha contra o isolamento social, o uso de máscaras e a vacina é grandemente responsável pelo que está ocorrendo. Esse sociopata parece se satisfazer com o crescente número de mortos, o que parece ser também o caso desse medíocre general logístico da Saúde. Acho que a sociedade e suas instituições, especialmente as de Medicina, deveriam estar fazendo uma campanha maior, opondo mais resistência às sandices do governo. Acho que, ao invés do que prega o sociopata, querendo obrigar o tomador da vacina a assinar termo de responsabilidade, deveria ser obrigatório, como preconizou um médico de UTI, que quem se recusasse a tomar vacina, teria que assinar um termo abrindo mão de atendimento na rede pública de saúde, mantida com uma abnegação heróica de seu quadro de funcionários.
Parabéns pelo artigo a quatro mãos: profissionais respeitado(a)s e, sobretudo, cidadão(ã)s reconhecido(a)s pelos aportes à sociedade brasileira, sobretudo nos anos de chumbo e no processo de democratização do Brasil, bem como no exercício profissional da Medicina (caso da Doutora Maria Augusta).
A escolha do tema nos permite atrever-nos à sugestão de que, a quatro mãos, continuem, por favor, a abordar temas correlatos, pois a pandemia, a despeito da tragédia humana e social, contribuiu para a queda de muitos mitos (desculpem qualquer associação involuntária à figura que encarna o atual governo federal), bem como valorizou a ciência e a saúde como bem público.
Aliás, todo jovem dos anos 1970/1980 que despertou para a ciência e as questões sociais têm débito ineludível com o Professor Fausto Matto Grosso, que, embora durante algum tempo esteve fora da academia pela truculência do regime de 1964, foi um incansável debatedor dos principais temas nacionais e internacionais, bem como uma referência inegável na luta pela construção do Estado Democrático de Direito.
Nossa Amizade permanece incólume, embora hoje possamos ter algumas diferenças pontuais sobre as perspectivas políticas para o Brasil e a América Latina.
Vida longa e muita saúde!
Fraternalmente,
Ahmad Schabib Hany
Parabéns Maria Augusta e Fausto, brilhante e esclarecedor artigo,ja estou replicando.
Estão generalizando quem não quer tomar vacina de laboratório suspeito de corrupção e que não apresenta dados confiáveis, com as pessoas que não querem nenhuma vacina. São coisas totalmente distintas. Pra piorar usam nosso maravilhoso STF como fonte de algo confiável na, inconstitucional, CPI de fake news.
Texto de excelente qualidade, muito esclarecedor: no estágio de contágio em que a doença se encontra só temos uma saída: tomarmos uma das vacinas e agradecermos por termos essa oportunidade. Vocêe são brilhantes, admiro- os muito.
Postar um comentário