CÂMERA DISCRETA
(Este artigo será publicado no livro "Histórias que ninguém vai contar")
Após muitos anos de clandestinidade o Partidão ressurgiu à luz do
dia em 1985. Foi um momento muito importante para democracia brasileira e muito
festejado pelos comunistas.
Era um ano eleitoral. Imediatamente o partido em Mato
Grosso do Sul, começou a se preparar para lançar candidato a prefeito em Campo
Grande. Era preciso mostrar a nossa cara para a sociedade.
Uma das
primeiras providências foi adquirimos uma câmera de TV no mercado paralelo top,
para garantir a autonomia da nossa campanha. O encarregado da tarefa foi
Carmelino Rezende. Importamos por conta própria um aparelho top de linha, com
uma inovação tecnológica que era os tais três tubos. Nem as TVs locais ainda a
possuíam. Um estúdio de filmagem foi montado nos fundos do escritório de
Carmelino. A câmera nos custou US$ 20.000, doados do próprio bolso por Onofre
da Costa Lima Filho.
Antes ainda de
oficializarmos nosso candidato Euclydes de Oliveira, já começamos a trabalhar a
elaboração do plano de governo. Eu fui seu vice-prefeito. Naqueles tempos duas
cidades se destacavam, no plano nacional, como gestões democráticas e
inovadoras, Lajes (SC) e Piracicaba (SP). Despachamos imediatamente Mário
Sérgio Lorenzetto para conhecer a experiência desta última.
Nossa campanha
na televisão foi fantástica, dirigida por Flávio Teixeira, com apoio de Dante
Filho e Carmelino Rezende, políticos, com vocação para marqueteiros. Também
atuou o eficiente cinegrafista Alci da Costa Leite. Era voz corrente que
tínhamos o melhor candidato e o melhor programa de TV. Só duas eleições depois
é que o MDB atingiu o nível técnico da nossa campanha de TV.
Buscando pegar
uma carona no sucesso da nossa campanha, o candidato do PTB, Ibrahim Zaher,
resolveu polarizar conosco. Todo dia partia para cima de nós, alertando o
eleitor que “cumunista é igual belha, chega perto do ouvido da gente, fazem
zunzum, passam mel na nossa boca, as pessoas se encantam e depois, metem o
ferrão na gente, zum!”. PCB e PTB davam show de audiência todas as noites.
Buscando
atingir nossa credibilidade, dizia Zaher que nossa campanha era financiada pelo
governo Wilson, e que a própria câmera que usávamos era da Sanesul. Aí sentimos
o golpe: veio o temor de que a Polícia Federal viesse a conferir a
irresponsável denúncia e a apreendesse e ainda que poderia ser prejudicada a
gestão de Frederico Valente, amigo do partido, como presidente da Sanesul.
Foi um
desespero total, precisávamos legalizar a câmera com uma nota fiscal. Foi um
corre-corre. Como nenhum amigo nosso, seminarista, podia nos ajudar, acabamos
caindo nas mãos do bicheiro e carnavalesco Castor de Andrade, que tinha sido
colega de Faculdade de Direito de um camarada nosso. Contatado, ele nos indicou
o telefone de uma pessoa que podia nos ajudar e imediatamente, em voo da
madrugada, despachamos para o Rio, o companheiro Carmelino e o câmera operoso
Alci Costa Leite. Lá chegando, conta-nos nosso emissário que foi atendido em um
estúdio cheio de gente mal encarada, e foram então encaminhados para o gabinete
do proprietário, sim, nada mais, nada menos que Jece Valadão, o mais famoso
cafajeste das telas do país. Era ele que operava no ramo de notas frias na área
de equipamento de comunicação. Ele, antigo simpatizante do partido lá no Espírito
Santo, ficou emocionado ao saber da finalidade, nos cobrou US$5.000” e se
dispôs a repassar uma nota fiscal, emitida por sua empresa, para regularizar
nosso equipamento.”.
Essa nossa
câmera só serviu para boas causas. Terminada a campanha, foi emprestada para
filmagem do primeiro programa nacional de televisão do PCB e finalmente doada
para a campanha Freire Presidente. Aí sumiu nos tempos, entrando para a
história.
Fausto Matto Grosso
(ajustado em 29.12.2020 por sugestão do amigo Francisco Hardy)
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