segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

 

CÂMERA DISCRETA

(Este artigo será publicado no livro "Histórias que ninguém vai contar")




Após muitos anos de clandestinidade o Partidão ressurgiu à luz do dia em 1985. Foi um momento muito importante para democracia brasileira e muito festejado pelos comunistas.

Era um ano eleitoral. Imediatamente o partido em Mato Grosso do Sul, começou a se preparar para lançar candidato a prefeito em Campo Grande. Era preciso mostrar a nossa cara para a sociedade.

  Uma das primeiras providências foi adquirimos uma câmera de TV no mercado paralelo top, para garantir a autonomia da nossa campanha. O encarregado da tarefa foi Carmelino Rezende. Importamos por conta própria um aparelho top de linha, com uma inovação tecnológica que era os tais três tubos. Nem as TVs locais ainda a possuíam. Um estúdio de filmagem foi montado nos fundos do escritório de Carmelino. A câmera nos custou US$ 20.000, doados do próprio bolso por Onofre da Costa Lima Filho.

  Antes ainda de oficializarmos nosso candidato Euclydes de Oliveira, já começamos a trabalhar a elaboração do plano de governo. Eu fui seu vice-prefeito. Naqueles tempos duas cidades se destacavam, no plano nacional, como gestões democráticas e inovadoras, Lajes (SC) e Piracicaba (SP). Despachamos imediatamente Mário Sérgio Lorenzetto para conhecer a experiência desta última.

  Nossa campanha na televisão foi fantástica, dirigida por Flávio Teixeira, com apoio de Dante Filho e Carmelino Rezende, políticos, com vocação para marqueteiros. Também atuou o eficiente cinegrafista Alci da Costa Leite. Era voz corrente que tínhamos o melhor candidato e o melhor programa de TV. Só duas eleições depois é que o MDB atingiu o nível técnico da nossa campanha de TV.

  Buscando pegar uma carona no sucesso da nossa campanha, o candidato do PTB, Ibrahim Zaher, resolveu polarizar conosco. Todo dia partia para cima de nós, alertando o eleitor que “cumunista é igual belha, chega perto do ouvido da gente, fazem zunzum, passam mel na nossa boca, as pessoas se encantam e depois, metem o ferrão na gente, zum!”. PCB e PTB davam show de audiência todas as noites.

  Buscando atingir nossa credibilidade, dizia Zaher que nossa campanha era financiada pelo governo Wilson, e que a própria câmera que usávamos era da Sanesul. Aí sentimos o golpe: veio o temor de que a Polícia Federal viesse a conferir a irresponsável denúncia e a apreendesse e ainda que poderia ser prejudicada a gestão de Frederico Valente, amigo do partido, como presidente da Sanesul.

  Foi um desespero total, precisávamos legalizar a câmera com uma nota fiscal. Foi um corre-corre. Como nenhum amigo nosso, seminarista, podia nos ajudar, acabamos caindo nas mãos do bicheiro e carnavalesco Castor de Andrade, que tinha sido colega de Faculdade de Direito de um camarada nosso. Contatado, ele nos indicou o telefone de uma pessoa que podia nos ajudar e imediatamente, em voo da madrugada, despachamos para o Rio, o companheiro Carmelino e o câmera operoso Alci Costa Leite. Lá chegando, conta-nos nosso emissário que foi atendido em um estúdio cheio de gente mal encarada, e foram então encaminhados para o gabinete do proprietário, sim, nada mais, nada menos que Jece Valadão, o mais famoso cafajeste das telas do país. Era ele que operava no ramo de notas frias na área de equipamento de comunicação. Ele, antigo simpatizante do partido lá no Espírito Santo, ficou emocionado ao saber da finalidade, nos cobrou US$5.000” e se dispôs a repassar uma nota fiscal, emitida por sua empresa, para regularizar nosso equipamento.”.

  Essa nossa câmera só serviu para boas causas. Terminada a campanha, foi emprestada para filmagem do primeiro programa nacional de televisão do PCB e finalmente doada para a campanha Freire Presidente. Aí sumiu nos tempos, entrando para a história.

Fausto Matto Grosso

(ajustado em 29.12.2020 por sugestão do amigo Francisco Hardy)

Nenhum comentário: