quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

 

A PENOSA PREPARAÇÃO DE UM ATLETA OLÍMPICO

(Este artigo fará parte do livro Histórias que ninguém vai contar)

Na Grécia Antiga as Olimpíadas eram realizadas em homenagem a Zeus, o deus dos deuses.  Seus vencedores eram tão festejados que se tornavam uma espécie de semideuses, porque pairavam acima dos homens comuns.

Nos velhos tempos da Guerra Fria, os Jogos Olímpicos tinham também um viés de luta ideológica. Estados Unidos e a União Soviética disputavam medalha por medalha como se fosse a defesa da sua superioridade enquanto regime político. Os atletas medalhistas tinham a aura de heróis nacionais.

Em torno dos medalhistas olímpicos foi se criando uma mística de super-homens. Afinal os atletas tinham que se abster de muitos prazeres corriqueiros da vida, na alimentação e no uso de álcool. Enfrentavam treinamento diário penoso e conviviam com as dores do limite do corpo humano.

Lá pelos anos 1980, recém-saída da Olimpíada, uma delegação de ginastas e bailarinos da União Soviética, cheios de medalhas no peito, veio ao Brasil para participar da festa do jornal Voz da Unidade, do Partidão. Como uma iniciativa de arrecadação de recursos, vieram também à Campo Grande. Foram dois dias de eventos no ginásio Moreninho, da UFMS. A capacidade do ginásio, de 800 pessoas, foi insuficiente para receber todos os interessados, ficou gente para fora nos dois dias de apresentação. Mais de duas mil pessoas assistiram os eventos.

Como parte da recepção aos quatorze visitantes, foi oferecido um jantar em minha casa, com a presença de mais alguns convidados. Na chegada deles, o nosso presidente Carmelino Rezende, como de praxe, fez o discurso de saudação, foi um discurso de emoção. Falou do papel da União Soviética no mundo, dos seus feitos contra o nazismo e da sua luta pela paz no mundo, da sua referência para a luta dos trabalhadores. Qual não foi a nossa surpresa, quando o chefe da delegação respondeu à nossa saudação política com um discurso esportivo. Algo parecia estar errado na União Soviética.

  Servidas as bebidas, uísque, cerveja e vodca, a festa pegou fogo. Parecia uma festa de homenagem a Baco, o deus considerado o protetor do vinho, da boêmia, da festa e da gula. O estoque precisou ser reforçado. Nada lembrava a austeridade suposta a atletas olímpicos medalhistas de ouro.  A comilança também foi assustadora nada parecia um jantar de medalhistas olímpicos. Alguns foram sentar-se na varanda da casa, que terminava em um talude de grama. Um deles, para desespero da minha mulher, ficava empinando a cadeira. De repente caiu para trás rolando pela rampa de grama até parar próximo à piscina. Não fiquei sabendo a modalidade esportiva dele.

A confraternização foi geral, com os convidados interagindo com os atletas. Na maioria dos casos, usavam o dialeto da mímica. Um dos atletas ficou encantado com o correntão de ouro de um dos convidados, um comerciante árabe, fiel contribuinte do Partido. Não se sabe o que falaram através da mimica, mais o fato é que este tirou seu correntão e colocou-o no pescoço do russo, como presente.

Terminando a festa estavam todos bêbados. Um deles veio em minha direção batendo uma garrafa de uísque de baixo do braço e falando em russo. Nada entendi, mas o simbolismo do gesto era claro. Falei que podia levar a garrafa. Ufa!

Fausto Matto Grosso

 

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