A PENOSA
PREPARAÇÃO DE UM ATLETA OLÍMPICO
(Este artigo fará parte do livro Histórias que ninguém vai contar)
Na Grécia Antiga as Olimpíadas eram realizadas em homenagem a
Zeus, o deus dos deuses. Seus vencedores
eram tão festejados que se tornavam uma espécie de semideuses, porque pairavam
acima dos homens comuns.
Nos velhos tempos da Guerra Fria, os Jogos Olímpicos tinham
também um viés de luta ideológica. Estados Unidos e a União Soviética disputavam
medalha por medalha como se fosse a defesa da sua superioridade enquanto regime
político. Os atletas medalhistas tinham a aura de heróis nacionais.
Em torno dos medalhistas olímpicos foi se criando uma mística
de super-homens. Afinal os atletas tinham que se abster de muitos prazeres
corriqueiros da vida, na alimentação e no uso de álcool. Enfrentavam
treinamento diário penoso e conviviam com as dores do limite do corpo humano.
Lá pelos anos 1980, recém-saída da Olimpíada, uma delegação
de ginastas e bailarinos da União Soviética, cheios de medalhas no peito, veio
ao Brasil para participar da festa do jornal Voz da Unidade, do Partidão. Como
uma iniciativa de arrecadação de recursos, vieram também à Campo Grande. Foram
dois dias de eventos no ginásio Moreninho, da UFMS. A capacidade do ginásio, de
800 pessoas, foi insuficiente para receber todos os interessados, ficou gente
para fora nos dois dias de apresentação. Mais de duas mil pessoas assistiram os
eventos.
Como parte da recepção aos quatorze visitantes, foi oferecido
um jantar em minha casa, com a presença de mais alguns convidados. Na chegada
deles, o nosso presidente Carmelino Rezende, como de praxe, fez o discurso de
saudação, foi um discurso de emoção. Falou do papel da União Soviética no
mundo, dos seus feitos contra o nazismo e da sua luta pela paz no mundo, da sua
referência para a luta dos trabalhadores. Qual não foi a nossa surpresa, quando
o chefe da delegação respondeu à nossa saudação política com um discurso
esportivo. Algo parecia estar errado na União Soviética.
Servidas as bebidas,
uísque, cerveja e vodca, a festa pegou fogo. Parecia uma festa de homenagem a
Baco, o deus considerado o protetor do vinho, da boêmia, da festa e da gula. O
estoque precisou ser reforçado. Nada lembrava a austeridade suposta a atletas
olímpicos medalhistas de ouro. A
comilança também foi assustadora nada parecia um jantar de medalhistas
olímpicos. Alguns foram sentar-se na varanda da casa, que terminava em um talude
de grama. Um deles, para desespero da minha mulher, ficava empinando a cadeira.
De repente caiu para trás rolando pela rampa de grama até parar próximo à
piscina. Não fiquei sabendo a modalidade esportiva dele.
A confraternização foi geral, com os convidados interagindo
com os atletas. Na maioria dos casos, usavam o dialeto da mímica. Um dos
atletas ficou encantado com o correntão de ouro de um dos convidados, um
comerciante árabe, fiel contribuinte do Partido. Não se sabe o que falaram
através da mimica, mais o fato é que este tirou seu correntão e colocou-o no
pescoço do russo, como presente.
Terminando a festa estavam todos bêbados. Um deles veio em
minha direção batendo uma garrafa de uísque de baixo do braço e falando em
russo. Nada entendi, mas o simbolismo do gesto era claro. Falei que podia levar
a garrafa. Ufa!
Fausto Matto Grosso
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