(Um livro escrito página a página)
O MEDO DO OUTRO
A partir do
AI-5, em dezembro de 1968, a ditadura assumiu o seu caráter fascista. Em um
primeiro momento ocorreu o confronto e a destruição dos grupos de luta armada.
A morte de Carlos Marighela em 1969 foi um episódio representativo desse
período.
Com a posse de Ernesto Geisel em março de 1974, diante de
grande pressão da opinião pública, o regime começou a ensaiar o seu processo de
“abertura lenta, gradual e segura”. Foi exatamente nesse contexto que o PCB
passou a sofrer a mais amarga repressão. Foi vítima do próprio acerto da sua
política de frente democrática, que combinava a ação política clandestina com a
ocupação de espaços legais, buscando isolar o regime.
Entre 1973 e 1975, um terço de seu Comitê Central foi
assassinado pela repressão, e milhares de militantes foram submetidos à
tortura, alguns até a morte, dentre os quais o jornalista Vladimir Herzog e o
operário Manuel Fiel Filho. Diante desses fatos, foi decidida a retirada do
Comitê Central do partido, para o exterior. Por suspeita de infiltração no seu
esquema de fronteira, foi recomendado que cada dirigente deveria montar o seu
próprio esquema individual de saída do País.
José Paulo Neto, dirigente do Comitê Central do PCB, havia
sido Secretário de Cultura de Juiz de Fora na gestão de Itamar Franco, a quem
pediu ajuda. Itamar discutindo com Senador Tancredo Neves montou o esquema de
fronteira. Tancredo era amigo do proprietário do Grande Hotel de Corumbá e para
lá foi levado o nosso fugitivo.
O Grande Hotel era um magnífico edifício construído por
pecuaristas locais, em estilo decô, no centro da cidade. Já havia recebido gente importante como o
presidente Getúlio Vargas, bem como artistas famosos como Wanderley
Cardoso e Jerry Adriani. Fizera grande sucesso nos anos 1950 e 1960.
O Zé Paulo, barbudão, sempre pitando seu cachimbo, teria que
esperar alguns dias na cidade para o contato com o lado boliviano. Foram dias
de muita aflição. Acordava cedo, descia para o café da manhã e sempre tinha um
negão olhando para ele. Saia para dar umas caminhadas na praça e lá estava ele
de novo fitando-o. Recolhia-se ao quarto. Almoço e jantar, tudo igual. No dia seguinte, tudo se repetia da mesma forma.
Foi ficando assustado, imaginando que estava sendo seguido e que a polícia
estaria apenas esperando para ver qual era o esquema de fronteira que estava
funcionando para a retirada dos comunistas em fuga. Seria preso, torturado, e
quem sabe “desaparecido”.
Diante da aflitiva situação fez contado com Itamar Franco que
mobilizou novamente Tancredo Neves. Mais um dia de aflição e o dono do hotel
veio falar com ele: não precisava ficar com medo, o negão era também um
fugitivo da polícia que estava escondido na cidade. Pronto acabou-se o clima de
desconfiança e duelo.
Muitos anos depois,
durante uma viagem de trem que fizemos a Corumbá, o dirigente José Paulo Neto
me contou como se virou e dos medos que passou. Paúra de mineiro em fuga em
terras desconhecidas.
FAUSTO MATTO GROSSO
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