NÃO ERAM DO RAMO
(Este artigo será publicado no livro "Histórias que ninguém vai contar")
Construir e “dar
assistência” ao Partido no interior sempre foi um trabalho difícil e
desafiador, principalmente nos velhos tempos. Tinha-se que vencer longas
distâncias, muitas vezes de ônibus, hospedar na casa de companheiros, não raro,
usando dinheiro do próprio bolso. Mas era também prazeroso e deixava boas
lembranças e muitas amizades.
Certa vez fui a
Corumbá, tentar reorganizar antigos militantes. Tinha o Adolfo Cunha, poaeiro,
o marceneiro Guinemer Gomes da Silva, vulgo Juquinha, o Tutu Pedrosa,
ex-deputado do PCB na constituinte de 1947. Era necessário aproximá-los da nova
militância Celso Philbois, Domingos e Wilma Sabóia, entre outros. Sempre
sobrava tempo para uma visita ao ex-deputado Percy de Barros por Deus, amigo do
partido.
Levei na bagagem
alguns exemplares do jornal clandestino “a Voz Operária”, um livro recente do
Partido e também um livro sobre o congresso de um partido do Leste Europeu,
seria a Bulgária? Ou seja, tudo material pouco inocente.
Chegou a hora de
voltar e veio-me a preocupação com a viagem de retorno. Corumbá era uma
fronteira de drogas e a polícia costumava ser muito atenta. Por preocupação, na
praça central da cidade, deixei o que sobrou do material, guardando apenas um
exemplar de cada livro, o que poderia ser justificado como material pessoal de
leitura. Em linguagem do ramo, desovei o excesso comprometedor.
Embarquei no ponto do
ônibus, com a inspeção de rotina. Estava salvo. No meio da estrada, chegou com
todo o barulho de praxe, uma patrulha da Polícia Federal que no meio do chão de
pedra e poeira fez que todos baixassem as bagagens. Começaram revistando a
mochila de um casal de jovens estrangeiros nórdicos, provavelmente. Acharam um
soco inglês, e já começaram ali mesmo o espancamento do rapaz que tentava
escapar de cata cavacos.
Na minha mochila
acharam os dois livros. Folearam ambos minuciosamente, com se quisessem achar
algo escondido. Nada encontraram. Mandaram-me abrir minha bolsa de couro,
pediram que eu abrisse a carteira. Lá se
interessaram por uma folhinha verde que estava entre os documentos. Dei uma
explicação que aquilo era uma folha de louro que minha mãe, no fim de ano,
colocava na carteira dos filhos para que enriquecessem no ano seguinte. Levaram
a folhinha para averiguação para os policiais mais experientes, mordiam,
cheirava, molhavam com um líquido. Acabaram aceitando a minha versão.
Sorte que não eram do
ramo, não estavam interessados em questões políticas. Pude então seguir minha viagem aliviado.
Fausto Matto
(revisado em 28.12.2020)
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