segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

 

ELES ERAM MUITO BONS

(Este artigo será publicado no livro Histórias que ninguém vai contar)




Nos anos 1980, a juventude do Partidão era a elite do movimento estudantil em Mato Grosso do Sul. Eram jovens idealistas, sonhadores, corajosos e generosos, que queriam mudar o mundo. Não conseguiram isso, mas fizeram parte da nossa história política. Do território deles fazia parte, o Centro de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (CEPES), onde se formavam; a Livraria Guató onde proseavam; o Colégio Latino-Americano que abrigava muitas das suas reuniões; o bar Gorbatchopp onde se confraternizavam; e da sede do Partido, onde se organizavam politicamente para as suas missões.

O que atraia a juventude para o Partidão era a oportunidade de formação política e a possibilidade de atuação organizada na luta contra a ditadura. Nossos líderes estudantis eram muito bem formados, tinham capacidade de formular e de conseguir vitórias. Isso os tornava líderes admirados, e respeitados, com grande capacidade de atração de novos militantes para o partido. A forma como atuavam, organizadamente, despertava a curiosidade dos estudantes, sobre o que haveria por trás daquilo tudo. Tínhamos bons agitadores, bons propagandistas, bons organizadores, e eram dedicados ao estudo da política. Nos anos mais duros participavam aguerridamente do Partido, sem ao menos conhecer nossos dirigentes.

Os secundaristas do Partidão chegaram a dirigir, ao mesmo tempo, a União Campo-Grandense de Estudantes (UCE), a União Douradense de estudantes (UDE) e a União Sul-Mato-Grossense de Secundarista (USMES). Foram responsáveis pela organização de muitas entidades municipais secundaristas: em Ponta Porã, Paranaíba, Três Lagoas, Aquidauana, Corumbá, Rio Brilhante entre outras. Em congressos nacionais secundaristas, nossos jovens chegaram a levar 11 ônibus de delegados, o que resultou na participação de companheiros nossos na diretoria da União Nacional (UBES) e também na coordenação nacional partidária do movimento secundarista. 

  Narrou-me um dos nossos antigos secundarista um evento cinematográfico. Beto Cunha foi certo tempo presidente da Usmes e da UCE concomitantemente. Ocupado com trabalho no interior, tinha que chegar a Campo Grande para abrir uma reunião. Chovia muito, era difícil chegar a tempo, os participantes estavam quase desmarcando a reunião quando ele entra todo molhado e sujo de barro na sua moto na quadra da UCE, a la herói da Marvel, dizendo que tinha sido difícil a viagem, mas um comunista nunca deixava de cumprir um compromisso.

  Durante esse período nossos estudantes atuavam sempre sob a bandeira da Unidade, que era o rebatimento da nossa política de frente democrática durante a ditadura. Tinham capacidade de juntar os jovens de maneira pluralista e democrática. Contou-me um jovem dessa época que a primeira diretoria da USMES, tinha a participação de 52 membros, apenas 2 do Partidão. Ao final do mandato, tínhamos 50 deles filiados. Sem aparelhamento, funcionávamos como partido integrado.

  Havia um clima de camaradagem entre os nossos militantes que se manifestava em qualquer luta setorial que era travada. Eleger uma camarada nosso para alguma entidade era uma tarefa coletiva, que mobilizava o conjunto do partido. O movimento secundarista ajudava o movimento universitário e vice-versa. Ambos participavam das nossas outras disputas políticas, o que nos ajudava a construir campanhas vitoriosas. Pichações e colagens eram com eles mesmos.

Não raro, nossos secundaristas viajavam para o interior, ou para eventos nacionais, só com a passagem de ida. Dias depois voltavam sãos e salvos com dinheiro arrecadado no movimento e nas ruas. A venda de broches e cartazes soviéticos era uma fonte de arrecadação. Esse era o “ouro de Moscou” dos secundaristas. Durante um Festival Mundial da Juventude pela Paz, conseguimos enviar dois jovens para Moscou, o Beto Cunha e o Guilherme Leal. Muitas oportunidades foram abertas para nossos jovens participarem de cursos de formação política no Instituto de Ciências Sociais da União Soviética.

O partido funcionava como uma confraria, com laços afetivos de camaradagem. Era como uma família. Não raro eu recebia, durante as madrugadas, telefonema de pais preocupados com o atraso de seus filhos. “Seu doutor, são duas horas da madrugada e minha filha ainda não chegou em casa. Trate de me dar conta dela”, cobrou-me o pai, um velho comunista.

Grandes campanhas foram realizadas com a participação e a liderança dos nossos jovens. Entre elas me lembro da campanha do passe-escolar para os estudantes, o que foi uma grande conquista. Nesse período foi conquistada a participação estudantil no Conselho Estadual de Educação, para o qual indicamos Paulo Ribeiro Júnior, posteriormente o Carlos Roberto de Marhi (Neno),

  Também, tenho na memória a campanha pela meia-entrada nos cinemas, da qual cheguei a participar. Os estudantes montavam filas-bobas nas bilheterias, quando chega a vez deles, saiam da frente e entravam novamente no fim da fila. A Polícia Militar sempre era chamada para assustar os “baderneiros”. Era quando eu entrava, com a “autoridade” de vereador do partido do governador anotando na minha cadernetinha os nomes que os oficiais traziam escritos nos uniformes. Não tinha efetividade nenhuma, mas metia grande medo na tropa. Foram carteiradas do bem.

Fausto Matto Grosso

 (Este material foi escrito com ajuda memória dos seguintes jovens do Partidão: Orlando Rocha, Neno, Paulo Ribeiro Junior, Edilson Magrão, Eliane Sampaio, Hélio Sampaio e Beto Cunha - “In memorian” a Guilherme Leal).

Artigo ajustado em 08.02.2021 por sugestão do amigo Neno

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