ELES ERAM MUITO BONS
(Este artigo será publicado no livro Histórias que ninguém vai contar)
Nos anos 1980, a juventude do Partidão era a elite do
movimento estudantil em Mato Grosso do Sul. Eram jovens idealistas, sonhadores,
corajosos e generosos, que queriam mudar o mundo. Não conseguiram isso, mas
fizeram parte da nossa história política. Do território deles fazia parte, o
Centro de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (CEPES), onde se formavam; a
Livraria Guató onde proseavam; o Colégio Latino-Americano que abrigava muitas das
suas reuniões; o bar Gorbatchopp onde se confraternizavam; e da sede do
Partido, onde se organizavam politicamente para as suas missões.
O que atraia a juventude para o Partidão era a oportunidade
de formação política e a possibilidade de atuação organizada na luta contra a
ditadura. Nossos líderes estudantis eram muito bem formados, tinham capacidade
de formular e de conseguir vitórias. Isso os tornava líderes admirados, e
respeitados, com grande capacidade de atração de novos militantes para o
partido. A forma como atuavam, organizadamente, despertava a curiosidade dos
estudantes, sobre o que haveria por trás daquilo tudo. Tínhamos bons
agitadores, bons propagandistas, bons organizadores, e eram dedicados ao estudo
da política. Nos anos mais duros participavam aguerridamente do Partido, sem ao
menos conhecer nossos dirigentes.
Os secundaristas do Partidão chegaram a dirigir, ao mesmo
tempo, a União Campo-Grandense de Estudantes (UCE), a União Douradense de
estudantes (UDE) e a União Sul-Mato-Grossense de Secundarista (USMES). Foram responsáveis
pela organização de muitas entidades municipais secundaristas: em Ponta Porã,
Paranaíba, Três Lagoas, Aquidauana, Corumbá, Rio Brilhante entre outras. Em
congressos nacionais secundaristas, nossos jovens chegaram a levar 11 ônibus de
delegados, o que resultou na participação de companheiros nossos na diretoria
da União Nacional (UBES) e também na coordenação nacional partidária do
movimento secundarista.
Narrou-me um dos
nossos antigos secundarista um evento cinematográfico. Beto Cunha foi certo
tempo presidente da Usmes e da UCE concomitantemente. Ocupado com trabalho no
interior, tinha que chegar a Campo Grande para abrir uma reunião. Chovia muito,
era difícil chegar a tempo, os participantes estavam quase desmarcando a
reunião quando ele entra todo molhado e sujo de barro na sua moto na quadra da
UCE, a la herói da Marvel, dizendo que tinha sido difícil a viagem, mas um
comunista nunca deixava de cumprir um compromisso.
Durante esse período nossos
estudantes atuavam sempre sob a bandeira da Unidade, que era o rebatimento da
nossa política de frente democrática durante a ditadura. Tinham capacidade de
juntar os jovens de maneira pluralista e democrática. Contou-me um jovem dessa
época que a primeira diretoria da USMES, tinha a participação de 52 membros,
apenas 2 do Partidão. Ao final do mandato, tínhamos 50 deles filiados. Sem
aparelhamento, funcionávamos como partido integrado.
Havia um clima de
camaradagem entre os nossos militantes que se manifestava em qualquer luta
setorial que era travada. Eleger uma camarada nosso para alguma entidade era
uma tarefa coletiva, que mobilizava o conjunto do partido. O movimento
secundarista ajudava o movimento universitário e vice-versa. Ambos participavam
das nossas outras disputas políticas, o que nos ajudava a construir campanhas
vitoriosas. Pichações e colagens eram com eles mesmos.
Não raro, nossos secundaristas viajavam para o interior, ou
para eventos nacionais, só com a passagem de ida. Dias depois voltavam sãos e
salvos com dinheiro arrecadado no movimento e nas ruas. A venda de broches e
cartazes soviéticos era uma fonte de arrecadação. Esse era o “ouro de Moscou”
dos secundaristas. Durante um Festival Mundial da Juventude pela Paz,
conseguimos enviar dois jovens para Moscou, o Beto Cunha e o Guilherme Leal.
Muitas oportunidades foram abertas para nossos jovens participarem de cursos de
formação política no Instituto de Ciências Sociais da União Soviética.
O partido funcionava como uma confraria, com laços afetivos
de camaradagem. Era como uma família. Não raro eu recebia, durante as
madrugadas, telefonema de pais preocupados com o atraso de seus filhos. “Seu
doutor, são duas horas da madrugada e minha filha ainda não chegou em casa.
Trate de me dar conta dela”, cobrou-me o pai, um velho comunista.
Grandes campanhas foram realizadas com a participação e a liderança
dos nossos jovens. Entre elas me lembro da campanha do passe-escolar para os
estudantes, o que foi uma grande conquista. Nesse período foi conquistada a
participação estudantil no Conselho Estadual de Educação, para o qual indicamos
Paulo Ribeiro Júnior, posteriormente o Carlos Roberto de Marhi (Neno),
Também, tenho na memória a campanha pela meia-entrada
nos cinemas, da qual cheguei a participar. Os estudantes montavam filas-bobas
nas bilheterias, quando chega a vez deles, saiam da frente e entravam novamente
no fim da fila. A Polícia Militar sempre era chamada para assustar os
“baderneiros”. Era quando eu entrava, com a “autoridade” de vereador do partido
do governador anotando na minha cadernetinha os nomes que os oficiais traziam escritos
nos uniformes. Não tinha efetividade nenhuma, mas metia grande medo na tropa. Foram
carteiradas do bem.
Fausto Matto Grosso
(Este material foi
escrito com ajuda memória dos seguintes jovens do Partidão: Orlando Rocha,
Neno, Paulo Ribeiro Junior, Edilson Magrão, Eliane Sampaio, Hélio Sampaio e
Beto Cunha - “In memorian” a Guilherme Leal).
Artigo ajustado em 08.02.2021 por sugestão do amigo Neno
.
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