ONGS, SEM PRECONCEITOS
“ONGs
são comitês da cidadania e surgiram para ajudar a construir a
sociedade democrática com que todos sonham” - Betinho
As
Organizações não-Governamentais – ONGs estão no centro de um
grande debate. A tônica das discussões tem sido, quase sempre, a
suspeição dos seus financiamentos e objetivos. A “teoria da
conspiração” volta à tona com a mesma sanha do passado quando
apontava para o “ouro de Moscou” e para as “ligações com
potencias estrangeiras”. Não se discute a validade ou não de suas
propostas e sim se busca descredenciá-las como interlocutoras. Agora
é o ouro do príncipe Charles, da rainha Sofia, de alguma
multinacional ou dos países centrais interessados em nossos recursos
naturais.
No
geral, essa discussão é eivada de uma grande confusão. Afinal se
tem algo difícil de se definir, é esse tipo de instituição, pela
amplitude e fluidez de seu campo de existência. É ONG desde a
pastoral da criança da Dra. Zilda Arns, exemplar no combate à
desnutrição infantil, aliás, com dinheiro público bem usado, até
“Meu Guri” da esposa do Deputado Paulinho da Forca Sindical,
agraciada com generosas doações do BNDES.
Tudo
que não é governo, nem mercado, pode ser classificado como ONG. A
expressão surgiu pela primeira vez no âmbito da ONU, após a
segunda guerra mundial, para designar organizações supranacionais e
internacionais que não foram estabelecidas por acordos
governamentais, ou seja, as ONGs nasceram primariamente como
organizações internacionais e desde esse início são reconhecidas
pelos relevantes serviços prestados à humanidade – Anistia
Internacional, Greenpeace, Médicos pela Paz e outras tantas que se
dedicam a defesa de valores e princípios universais, como direitos
humanos, conservação ambiental, tolerância e paz.
Os
impulsos mais recentes para a proliferação dessas instituições,
foram a revolução científico-tecnológica e a globalização. Esse
dois fatores, inter-relacionados que são, produziram o espaço
virtual on-line, fazendo desaparecer o tempo e a distância no
relacionamento entre os homens, ao mesmo tempo em que modificava o
papel dos Estados nacionais. A expressão mais tradicional do poder
nacional, a moeda e os bancos centrais hoje são controlados pelas
instituições mundiais do capital e pelo mercado da economia
desprovida de base material.
Paralelamente
ao Estado e ao mercado, surgiu o chamado “terceiro setor”, espaço
de existência das ONGs. Esse novo segmento é a nova sociedade civil
assumindo o papel de fiscalização das políticas públicas e das
estripulias deletérias do mercado. São elas que começam também a
cumprir funções na esfera pública não-estatal, muitas vezes com
maior competência que o Estado crescentemente despreparado para
cumprir as suas presentes e futuras indelegáveis funções.
Nesse
período dois segmentos com visões antagônicos confluíram para o
apoio e criação das ONGs, o pensamento neo-liberal que as via com
um artifício para esvaziamento do Estado, que deveria ser mínimo, e
o pensamento libertário que enxergava a oportunidade de controlá-lo,
ao controlar suas políticas. O pensamento de direita e de esquerda,
com diferentes perspectivas, se somaram, então, na idéia de criação
dessas organizações. Portanto, pode-se gostar ou não gostar das
ONGs, mas elas vieram para ficar, por que não são frutos de
conspirações e sim, formas novas que estão nascendo sintonizadas
com o processo de implantação de um novo momento da civilização,
marcado pela aceleração das mudanças do padrão produtivo, que
clama por novos atores e novas relações sociais.
Que
as ONGs nos diversos países se articulem internacionalmente não há
nada a se criticar, afinal os Estados se articulam também nesse
nível e ainda mais evidente é a internacionalização do mercado e
do capital. Essa articulação internacional das ONGs tem o grande
mérito de permitir a atuação local da cidadania, informada pela
experiência internacional. O que estamos vendo é o surgimento de
uma opinião pública e de uma sociedade civil mundiais, com maior
possibilidade de enfrentar os desafios da humanização global. Quem
sabe o conceito de estrangeiro esteja com os dias contados.
Essa
articulação global das ONGs tem se dado através do mecanismo ultra
sofisticado de formações de redes de atores sociais locais e
globais, que lhes dá enorme capacidade de influenciar localmente,
com a visão de mundo e mundialmente com a riqueza da visão das
diversas comunidades locais. Essas redes estão cada vez mais
presentes nas decisões mundiais, realizando reuniões paralelas às
dos chefes de estados, e a das agências de articulação do capital.
Para desespero desses, as redes estão em todas as partes e são
difíceis de combater, afinal, elas nunca são, estão, são
constantes vir-a-serem típicos do processo de mudanças rápidas e
generalizadas do tempo em que vivemos. Mas e a corrupção, o uso
indevido do dinheiro público e os atrelamentos espúrios que a
política tem feito delas? Serão elas antros de corrupção? A
transparência, o controle público, as CPIs e a justiça são os
remédios para isso, quando o dinheiro público estiver envolvido.
Tenho certeza que menos será encontrado de nocivo do que no Estado e
no Mercado.
Fausto
Matto Grosso
Engenheiro
Civil, professor da UFMS.
faustomt@terra.com.br
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