HISTÓRIAS DO QUEM SABE E DO TALVEZ
Vivemos um tempo
fantástico. É o tempo da engenharia da
manipulação genética, que constrói novas vidas; da engenharia cyborg, que
fabrica artefatos para serem acoplados ao corpo humano; e também da engenharia
da vida inorgânica que transfere nossos pensamentos e sentimentos para
artefatos inorgânicos inteligentes, o que poderá levar o homem à eternidade.
A propósito vou contar algumas histórias
inocentes. Não se tratam de previsões, sim de possibilidades, coisas do quem
sabe e do talvez.
Primeira história.
Dois amigos de faculdade se divertiam muito com jogos eletrônicos. Passaram-se
os anos, e um deles apareceu no aniversário do outro, este já casado e com
filhos. Levou-lhe de presente, o último lançamento de games de lutas virtuais,
onde os jogadores sentiam estar vivendo dentro da história. Os adversários nos
games eram uma heroína loira e um lutador oriental. Depois de algum tempo,
“rolou um clima” entre os lutadores, que descobriram que era melhor fazer amor
do que fazer a guerra. Viciaram-se nesse prazer. Surgiu então a crise de
identidade sexual, entre dois amigos reais. O presenteado perdeu a esposa e
filhos e viveu o resto da vida viciado no jogo sexual com o amigo.
Segunda história.
Buscar a alma gêmea sempre foi um desafio para as pessoas. Surgiu então uma
maneira para resolver esse problema. As pessoas se matriculavam em um
“programa”, e passavam a viver dentro de um imenso parque com moradias
isoladas. O “Sistema” montava um sequencia de encontros românticos entre os
participantes. Através de monitoramento eram medidas todas as emoções dos
pares. Programados todos os rodízios, a inteligência artificial ia armazenando
informações, até que todos os pares fossem mapeados em algoritmos. Grave
problema acontece quando um par já se sentiu contemplado com a primeira relação
e não consegue fugir do jogo maluco.
Terceira história. O
diagnóstico médico apresenta dificuldades quando o doente não consegue
transmitir, exatamente, suas sensações. Um grande especialista conseguiu então
ser escolhido para um implante que captava todas as sensações reais dos
doentes. Passou a ser um sucesso que lhe rendeu muito prestígio e dinheiro. Com
o passar do tempo, o médico viciou-se em sentir as dores dos pacientes.
Tornou-se então um torturador e assassino cruel para alimentar o seu vício.
Quarta história. Ele
era um adolescente normal que foi filmado pela câmara do seu computador quando
se comprometia diante de um site pornô. Passou então a ser chantageado, por
ameaças anônimas, de divulgação da cena. O adolescente começou, então, a seguir
ordens, formando uma quadrilha, juntos com várias pessoas que também se
encontravam em situações idênticas. Foi orientado então, para que assaltasse um
banco, durante o qual foi preso pela polícia. Afinal de contas se sentiu
aliviado, pois foi protegido da sua vergonha.
Quinta história. É cada
vez maior o numero de curtidas – likes - feitas pelas pessoas. Surgiu então um
software que facilitava esse mister. As pessoas começaram a passar, o tempo
todo, pontuando o seu julgamento sobre outras pessoas. O “Sistema” acumulava o
score de cada uma das pessoas que passaram, então, a serem julgadas e tinham
seus direitos e deveres condicionados pela sua pontuação. Surgiu assim uma nova
divisão da sociedade em castas de likes.
Estas pequenas
histórias de ficção exploram um futuro próximo, onde a natureza humana e a
tecnologia podem entrar em perigosos conflitos. O inevitável avanço da
tecnologia pode ser acompanhado de uma série de efeitos colaterais para uma
sociedade, cada vez mais, dependente dos “espelhos negros” das telas das
televisões, computadores, tabletes e smartphones.
As historietas aqui
contadas inspiram-se na série Black Mirow. O título do artigo usa palavras do
discurso do ex-deputado Alencar Furtado, a respeito de viúvas e órfãos dos
desaparecidos políticos, durante o Governo Geisel, que lhe valeu a cassação do
mandato.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e
professor aposentado da UFMS
Nenhum comentário:
Postar um comentário