MEGA-SENA DA VIRADA
As loterias são jogos
de azar, ou seja, para que um tenha sorte, todos os outros têm que ter azar.
Eis uma bela metáfora sobre a sociedade.
A loteria teria
surgido na Babilônia de Nabucodonosor II. O imperador, um personagem do
Primeiro Testamento, era dado a ter sonhos cujo interprete era o profeta
Daniel. Certa vez o sonho avisou que ele teria uns tempos de maluco beleza o
que, de fato, aconteceu.
Por ser um assunto
importante, trataram de loterias os intelectuais Jorge Luís Borges e Zigmunt
Bauman e até os malucos belezas Raul Seixas e Paulo Coelho
Pelo conto de Borges,
fica-se sabendo que a loteria na Babilônia era um jogo de caráter plebeu.
Comprava-se dos barbeiros, em moedas de cobre, retângulos de osso ou de
pergaminho adornados de símbolos. Quando dos sorteios, os contemplados recebiam
os prêmios em moedas de prata. Depois de
certo tempo, essas "loterias" fracassaram. A sua virtude moral era
nula. Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente à sua
esperança.
Adveio então uma
reforma: a intercalação de alguns números adversos entre os números
favoráveis. Os números de azar poderiam
conduzir o apostador ao pagamento de uma multa, à prisão ou até a mutilação de
algum dedo. Mediante essa reforma, os compradores expunham-se ao duplo risco de
ganhar ou ser castigado, ou seja, às vicissitudes do terror e da esperança.
Esse perigo despertou, como é natural, maior interesse do público.
Dialogando com o conto
de Borges, Bauman observou que a loteria é uma instituição que recicla a vida
mortal, transformando-a numa sequencia interminável de novos começos. Cada novo
começo pressagia outros riscos, mas num pacote que compreende novas
oportunidades. Nenhum dos começos é definitivo e irrevogável. Assim a vida
caminha acompanhada da incerteza e da esperança.
O século XX foi um
período em que era possível planejar e criar metas à longo prazo. Hoje, é
preciso ser rápido, planejar a curto prazo, o que torna tudo inseguro e
passível de mudanças. É sociedade líquida de que fala Bauman. A vida nunca é
definitiva e o recomeço tem que ser feito a cada três ou quatro dias.
Assim, vivemos de
domingo a quarta, dia de megasena, e recomeçamos tudo novamente de quinta a
sábado, sempre instigado pelo maluco beleza Raul Seixas, que ensinava que,
“como não sabemos por inteiro, ganhar dinheiro, o que é muito fácil, não
podemos parar”.
Afinal, para nossa
tranquilidade espiritual, ganhar dinheiro não é pecado. Respeitáveis estudiosos
mostram que a Bíblia não condena o jogo. A Bíblia, entretanto, nos alerta para
que fiquemos longe do amor ao dinheiro (I Timóteo 6:10; Hebreus 13:5). As
Escrituras também nos encorajam a que fiquemos longe das tentativas de
“enriquecimento fácil” (Provérbios 13:11; 23:5; Eclesiastes 5:10). Certamente o
jogo gira em torno do amor ao dinheiro e inegavelmente tenta as pessoas com a
promessa de riqueza fácil e rápida, mas jogar por distração é pratica aceitável
para os seguidores de Deus. Espero que não haja discriminação quanto aos
outros.
Para que seja legal e
moral, basta que tenhamos merecimento. Afinal, quem de nós não levou buzinada
neurótica, só porque estava dentro do limite de velocidade? Quem não teve que
esperar no 0800, escutando musiquinha ou marketing, enquanto ansiava pelo
inatingível atendimento de uma pessoa humana atenciosa? Quem não procurou
cortar caminho pelo atendimento digital e ao final este mandou ligar para o
atendente inacessível? Quantos esperaram por cartões de créditos, nos últimos
três meses e quando o cartão chegava, não vinha a senha, ou vice-versa? Quantos
foram colocados como caloteiros, na compra de aplicativos e outros serviços
digitais porque o número do cartão mudou sem que pedíssemos? Espero que esses
méritos sejam computados nos critérios da premiação. Que vençam os justos e os
oprimidos
Se não é pedir muito,
em 2020, espero que a Reforma Fiscal não acabe com esse único imposto justo, o
imposto sobre a esperança.
Fausto
Matto Grosso
Engenheiro
civil e professor aposentado da UFMS
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