POLITICAMENTE INCORRETO
O novo Presidente
soltou seus demônios no momento solene da posse.
Tal qual um Dom
Quixote de verde amarelo, afirmou ser sua missão libertar o povo brasileiro do
socialismo, da inversão dos valores, do gigantismo estatal e do “politicamente
correto”.
Presidente falou aos
seus. Trata-se de uma declaração
esdrúxula, mas, provavelmente, grande parte dos seus eleitores se regozijou
diante dos impropérios.
Vamos ao
“politicamente correto”, assunto espinhoso, um terreno altamente minado por
susceptibilidades.
Como podem questões tão humanas e universais,
como direitos, igualdade, liberdade, paz e tolerância, dividirem os
brasileiros? Infelizmente isso acontece e tem sólida base na nossa própria
cultura.
Enfrentar essa
realidade, como acontece nos movimentos de mulheres, de negros, de índios, de
sexualidade ente outros, faz parte da luta de muitos outros brasileiros
corajosos e abnegados que querem construir um mundo mais humano e solidário
Preocupa-me,
entretanto, os resultados desses movimentos. Desconfio das estratégias
adotadas. Essas tem que ser de construção de consensos amplos, não o de
fuzilamento de hereges nos “paredóns” identitários de cor, sexo, orientação
sexual, etnia, deficiências físicas, origem geográfica, identidade de gênero,
entre outros.
A luta em torno das
identidades, não raro, se coloca como vertente política que estabelece que os
grupos minoritários são oprimidos, e seus opressores devem ser eliminados. A
esses grupos se atribui uma superioridade moral, e se cobra individualmente aos
“opressores” o pagamentos das dívidas. Assim, todo branco poderá ser
responsabilizado pelo racismo, todo homem pelo machismo, independentemente de
suas posições individuais sobre a questão. Dessa forma vai se perdendo a
clareza de quem é o inimigo a ser derrotado.
O homem comum, esse
que trabalha duro, mata um leão por dia para sobreviver, que vive com
dificuldades, não pode ser responsabilizado pela escravidão, pela matança dos
capitães do mato e dos bandeirantes. No entanto, os movimentos de identidades
jogam em cima dele apenas culpas, dívidas sociais e obrigações de reparação.
Diz que sua vida se resume a privilégios e que tem que acostumar a perder para
reparar suas culpas. Esse olha em volta e não vê nada disso. Ninguém gosta de
ouvir, o tempo todo, que tudo em sua vida é resultado de privilégios,
principalmente quando olha em volta e vê que tem menos do que mereceria ter.
Esse tipo de postura
só joga para o outro lado pessoas que poderiam ser ganhas e acolhidas no amplo
campo de luta por cidadania, onde devem ser reunidos os brasileiros,
independentemente das suas pequenas falhas, consideradas como imperdoáveis
pelas milícias radicais.
Outro resultado
natural da radicalização é a fragmentação dos movimentos. Sempre será possível
dentro de um grupo surgirem sub-identidades que enfraquecerão os movimentos.
Esses acabam não formando uma articulação consistente porque há superposições e
colizões fragmentadoras. Exemplificando, de dentro de um movimento de
cidadania, sai um movimento de mulheres, dentro desse, sai um de mulheres
negras, dai um movimento de mulheres negras vítimas de violência, assim avança
a fragmentação.
O bolsonarismo
articula-se em uma onda mundial de guinada à direita conservadora, que tem um
dos seus fundamentos na chamada guerra cultural.
A resistência a isso
tem que ser no mesmo campo da cultura. É preciso ganhar as pessoas para as boas
teses. A cultura da confrontação permanente não consegue isso. Nessa “guerra” o
importante é ganhar hegemonia cultural e política, fazendo que cada conquista
seja sustentável. Deve ser uma guerra de trincheiras e não uma luta de
movimentos em que avanços podem ser revertidos pela falta de articulações
amplas e fortes. O desafio é fortalecer o campo amplo e generoso da luta pela
cidadania.
Daí vem a pergunta,
como ganhar eleições satanizando a maioria? O Presidente eleito conseguiu falar
para elas. Pisar nos pés da maioria não parece ser uma boa idéia.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
24.01.2019
3 comentários:
Parabéns, mais uma brilhante análise da nossa realidade.
O diagnóstico é perfeito.
Como atitude imprescindível acrescento o respeito ao adversário para preservar o todo.
BOM ERA O QUE A DILMA E LULA FALAVAM. TENHA A SANTA PACIÊNCIA.
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