A CIDADE UNIVERSITÁRIA
Aposentado
há mais de 12 anos, nunca rompi meus vínculos sociais com da UFMS,
sempre retornando, pontualmente, para eventos, palestras, debates e
mesmo para visitas esporádicas ao meu antigo departamento.
Recentemente tive de percorrer seus meandros, com maior amplitude e
mais tempo, e fiquei tristemente surpreendido. A Universidade virou
um conjunto disforme de prédios, “puxadinhos” e intermináveis
estacionamentos.
Arriscando-me
a eventuais impropriedades pontuais, sinto-me na obrigação de
compartilhar minha aflição, até porque conheço certos aspectos
singulares da sua história que ainda não foram contados.
Era
inegável a beleza original do campus. O projeto dos pavilhões de
ensino começou a ser desenvolvido pelo escritório de Oscar
Niemeyer. Diante da grita política, o Governador recuou e passaram a
atuar diretamente arquitetos locais de grande valor como Armênio
Arakelian (Teatro Glauce Rocha, Restaurante e Hospital Universitário,
etc.) e Avedis Balabanian (conjunto aquático). Surgiu assim um
patrimônio monumental da arquitetura do Estado. A Cidade
Universitária era o orgulho dos campo-grandenses, ponto obrigatório
para exibir e nos gabar diante de visitantes da nossa cidade.
Nem
tudo era perfeito. Os pavilhões de ensino, onde passei anos da minha
vida, apresentavam alguns problemas. A cobertura em lajes pregueadas,
de concreto aparente, era fechada lateralmente por tijolos furados.
Para quem a projetara, a tão longa distância, deve ter ficado a
sensação de uma brilhante solução para o calor campo-grandense.
Através dos orifícios dos tijolos deveria circular o ar
refrescante. Desconhecia o projetista a poeira vermelha dos meses de
agosto, que caracterizava nossa cidade 40 anos atrás. O resultado
foi que todos os orifícios foram entupidos por rolinhos de jornais.
Ficamos então, com um colchão de ar quente preso em cima das nossas
cabeças. Na construção dos primeiros blocos novos, durante certo
tempo, consegui-se resolver tal problema respeitando a arquitetura
externa.
Na
construção dos longos corredores, a pressa do “milagre
brasileiro” não permitia, também, muitos devaneios e preciosismos
técnicos. Avisado da falta de certas “ferragens” pelo engenheiro
da obra, depois professor da universidade, a construtora perguntou:
“tem no projeto? Se não tem, não põe”. Como herança, passamos
a consertar inutilmente e a conviver, com longevas goteiras que
escorrem das lajes em incompreensíveis estalactites.
Na
região central de cada bloco havia sempre uma cantina. Em frente
destas, um amplo espaço de convivência social dos estudantes. Mas
arquitetura tem a ver com política também. Vivíamos a ditadura.
Aglomeração de estudantes não combinava com o regime. Começa aí
o desastre político-arquitetônico. A Universidade começou a
crescer “para dentro”, ocupando, com novas instalações, esses
espaços “livres”. A universidade virou um imenso conjunto de
corredores de desencontros. Em alguns locais esses corredores também
começaram a ser tomados por “puxadinhos para dentro”.
Ainda
sobre a política, um dos mais belos prédios da UFMS, o Restaurante
Universitário, já pronto e equipado, ficou vários anos fechados,
por ordem do Comando Militar da Região, que abominava esses “centros
de agitação subversiva”.
Outro
equipamento que marcava o campus era o famigerado Morenão, um
intruso megalomaníaco no projeto da Universidade. Presente de grego,
em um estado sem futebol, sempre foi um imenso problema para a
Universidade a quem cabia arcar com o ônus do seu alto custeio,
vindo a se tornar, posteriormente, de maneira inadequada, o local de
novos “puxadinhos para dentro.”
Passaram-se
os anos. A Universidade cresceu muito em instalações e prédios.
Imagino que todos devem ter a sua utilidade, não se trata de
questioná-los. Entretanto, uma revisita ao campus, nos mostra o
grande patrimônio arquitetônico original, além de sucateado,
transformado em um monstrengo estético e social.
Exemplo
singular e especialmente chocante é o atentado contra a visão
monumental do Teatro Glauce Rocha, obstaculizada por uma edificação
singela, provavelmente muito importante, mas de locação
absolutamente imprópria. Choca-nos também o imenso estacionamento
no qual se transformou o campus, sem que se negociasse, com a cidade,
uma solução adequada de transporte público.
Quanto
às novas construções, não se percebe uma harmonia mínima entre
elas e o núcleo original dos prédios. Salta aos olhos uma poluição
de estilos, uma distribuição aparentemente caótica na implantação
de novos blocos, a perda de áreas verdes, a existência de
construções precárias. Parece que a lógica dominante, aqui
também, é de que governar é construir obras, aparentemente o
planejamento foi substituído pela cultura do imediatismo.
Choca
também as notícias na imprensa de a Universidade fazer essa
expansão, muitas vezes, através das famigeradas emendas
parlamentares, como se a instituição, não fosse, ela mesma,
Governo Federal e tivesse, de pires na mão, obrigada a percorrer
caminhos tortuosos e nefastos em uma área onde o caminho deveria
passar por processos de competência institucional.
Não
tenho nenhuma intenção de culpar pessoas, dirigentes acadêmicos ou
técnicos da Instituição, até por que não conheço os fatos.
Exponho aqui o resultado, tristemente perceptível, de um longo
processo de degradação física e estética do campus.
Junto
a toda essa perplexidade, talvez por sentimentos já vencidos no
tempo, o aperto no peito de ver uma Universidade fechada por cercas e
dentro delas uma Reitoria ilhada por outra cerca protetora. Vivi um
tempo em que a Universidade era cercada apenas pelo respeito social,
onde se defendia a autonomia e onde polícia não entrava.
FAUSTO
MATTO GROSSO
Engenheiro,
professor aposentado da UFMS
29.08.2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário