A LUTA ARMADA E A FRENTE DEMOCRÁTICA
Jamais
imaginei que a luta armada da década de 70 pudesse vir a ser, 40
anos depois, matéria de interesse eleitoral. Pois é isso que está
acontecendo. A candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff despertou
uma sanha tão reacionária, quanto interesseira, sobre o tema, em
tudo semelhante ao terrorismo eleitoral que fizeram, no passado,
quanto ao “perigo Lula”.
Recentes
entrevistas de antigos comandantes militares, como o General Leônidas
Pires, ex-comandante do temido DOI-CODI de São Paulo, concedidas à
TV, puseram mais lenha na fogueira.
Disse
o general que toda guerra gera vítimas, o que é verdadeiro, disse,
também, que as ações armadas do Exército começaram somente após
o frustrado atentado da antiga Ação Popular contra a vida do
Presidente Costa e Silva no aeroporto de Recife. Aí ele falta com a
verdade histórica. Quem foi enfrentado inicialmente pelas armas foi
o Governo Constitucional de João Goulart e a partir daí se
implantou uma Ditadura que, por mais de 20 anos, se impôs pela força
das armas e pela repressão aos democratas de todos os matizes.
A
resistência à ditadura, que se impunha por uma questão ética e
política, provocou uma grande divisão entre as forças de esquerda.
A principal matriz de onde brotou a esquerda no Brasil, o Partido
Comunista Brasileiro - PCB, de imediato apontou o caminho da frente
democrática, indicando que a luta não seria fácil e curta e,
portanto, deveria envolver uma ampla articulação da sociedade
brasileira. Já no início de 1966 reconhecia o recém criado MDB
como um espaço válido de luta, indicando aos seus militantes a
filiação no Partido. Nessa época, vários militantes e dirigentes
do PCB, contrários à política de resistência democrática
excluíram-se ou foram expulsos do partido
Com
a violenta repressão que se abateu depois do AI-5, a luta armada
surgiu como ato desesperado, de resistência ao regime militar. É
dessa época o surgimento do MR8 – Movimento Revolucionário Oito
de Outubro e da ALN - Aliança Libertadora Nacional, onde
pontificavam lideranças como Marighela, José Dirceu, Franklin
Martins, Vladimir Palmeira, e Fernando Gabeira, entre os mais
conhecidos atualmente, todos originários do PCB. Lá na sua
militância estudantil, e depois na frente armada, estava a
ex-ministra Dilma Rousseff em uma das diversas organizações que se
formaram à época.
Foram
pessoas corajosas, idealistas, muitas das quais entregaram as suas
vidas por essa causa, mas foram derrotados, principalmente, pelos
seus erros históricos e políticos, e não apenas pelas balas e pela
tortura da repressão. A luta armada não era o meio mais eficaz, era
burra, foi uma tática suicida, ajudou ao endurecimento do regime e à
ampliação da repressão contra todos os democratas, das diferentes
vertentes.
Ao
mesmo tempo em que isso acontecia, militares brasileiros eram
treinados em técnicas de combate e em tortura na escola da CIA no
Panamá, para onde, alguns tempos depois, muitos voltaram como
experientes professores que superaram os mestres.
Mesmo
atuando na frente legal, o PCB foi vítima da estratégia de
auto-reforma do regime. Havia o receio de que o “Partidão”, com
a sua capacidade de articulação política ampla, pudesse
transformar o MDB em um partido de massas e de esquerda. Foi nessa
época que se abateu a maior repressão sobre os pecebistas. Neste
ano, o pacato jornalista Vladimir Herzog e operário Manoel Filho,
foram assassinados nas câmaras de tortura. Neste mesmo ano, sete
membros do seu Comitê Central, foram assassinados pela ditadura o
que, pela primeira vez na sua longa história, obrigou o Partido a
retirar sua direção para o exterior.
Ao
final, a história fez homenagem à tática vitoriosa da ampla frente
democrática na qual militavam os comunistas do PCB, que foram os
primeiros a lançar as palavras de ordem pela Anistia, pelos Direitos
Humanos, pela Constituinte, pelas liberdades públicas e pelo Estado
de Direito Democrático, inclusive se postando contra a extinção do
MDB no momento em que o desânimo se abateu sobre os democratas
liberais.
Comparando
as táticas de luta contra a ditadura, em uma tentativa de síntese
histórica pessoal, tenho convicção de que o Presidente Jimmy
Carter com a sua denuncia de violação dos direitos humanos no
Brasil, fez mais pela nossa democracia do que o Comandante Fidel
Castro, também, que Ulisses Guimarães e Tancredo Neves foram mais
úteis à causa da democracia do que o bravo Carlos Marighela e o
ainda todo poderoso José Dirceu, hoje plenamente anistiado no seu
partido, porque, afinal de contas, alguém tinha que fazer “o que
precisava ser feito pela causa”.
Voltando
ao terrorismo eleitoral, vale dizer que a sociedade democrática que
ajudamos a conquistar funciona assim mesmo. Tem alternância, tem
direito de diferenças, e outras coisas incômodas. Quem quiser,
derrote esses personagens pelas idéias e pelas propostas, pela
democracia, jamais fazendo correntes reacionárias como todos nós
recebemos diariamente pela internet, tentando atingi-los pelo seu
passado guerrilheiro ou pela sua vida pessoal. Devemos julgá-los
pelas suas posições no presente e não pelos seus erros do passado.
Os militares brasileiros, também, devem ser julgados pela sua
postura atual claramente constitucional e profissional.
Pessoalmente,
preocupa-me mais a falta de uma auto-critica verdadeira desses
lideres com relação a tal passado. Não encontro, na maior parte
deles, nenhuma afirmação clara do compromisso com a democracia.
Afinal para quem assaltava bancos para arrecadar fundos para uma “boa
causa”, que diferença faz comprar “300 deputados picaretas”
para um projeto “superior” de poder. Para quem desacreditava na
possibilidade de atuar dentro dos sindicatos, todos chamados de
“pelegos”, que diferença faz cooptar e anular os movimentos
sociais mais importantes do País. Ao que parece continuam
prisioneiros da idéia de que “os fins justificam os meios”.
Chorar
lágrimas eleitorais de crocodilo no túmulo de Tancredo não vale.
Têm que assumir que erraram em não votar nele no colégio
eleitoral, quando do outro lado da disputa se encontrava Paulo Maluf,
inclusive expulsando seus deputados que assim o fizeram. Precisam
explicar onde estavam eles na delicada transição com Sarney e o que
fazem junto com Sarney, Collor e Maluf atualmente.
Fausto
Matto Grosso
Militante
do antigo PCB
faustomt@terra.com.br
02.05.2010
Publicado
no Correio do Estado em 06.05.2010
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