A MAROLINHA E O TSUNAMI
O
Presidente, sem querer, acertou em cheio o diagnóstico. A marolinha
que varre o mundo nem de perto tem o impacto demolidor do maremoto
silencioso que vem jogando por terra a civilização industrial e
fazendo ascender a civilização do conhecimento.
Essa
é a verdadeira crise. O velho já morreu e o novo ainda não se
espraiou dominando definitivamente o mundo material e as
consciências. Vivemos a dor do parto do novo, à qual se somou o
nada desprezível resfriado da recente crise econômica mundial
O
tsunami destruiu todas as referências ideológicas, políticas,
econômicas e sociais da velha sociedade industrial. Foi por água
abaixo o sistema do socialismo real, o Estado do Bem-Estar Social e o
Liberalismo que era a moda da temporada. Estão em processo de
esgotamento os Estado Nacionais, os partidos e os sindicatos. Vivemos
a tendência do fim do emprego, tal como o conhecemos nas décadas
passadas, e a sua substituição por outras formas de trabalho e de
obtenção de renda, inclusive com o fortalecimento de redes de
cooperação produtiva de pequenos e médios empreendedores.
Apesar
de muita produção intelectual e de reflexões estratégicas
ocorridas na segunda metade do século passado, poucos líderes
perceberam esse processo e se prepararam para aproveitá-lo. A China,
a Índia e a Coréia, entre poucos outros jogaram todas as fichas no
investimento nas pessoas, na produção de conhecimento e no
desenvolvimento tecnológico. Gorbatchov, a seu tempo, o percebeu
encaminhando o arquivamento da corrida armamentista da guerra fria,
destruidora de esforços produtivos, fazendo a Glasnost, a
Prestroika, mas não tendo tempo de fazer a sua Uskorenie, nome que
dava ao processo de aceleração do desenvolvimento tecnológico. A
nova Rússia, companheira do Brasil nos BRICs também saiu da sua
grande crise olhando para frente.
O
Brasil não. Faltaram clareza e líderes com pensamento estratégico.
Surfou imprudentemente na expansão da economia mundial,
desperdiçando oportunidades e morrendo na praia, com taxas medíocres
de crescimento, porque continuava, com raras exceções, produzindo
commodities agrícolas e minerais, cada vez em maior quantidade, para
receber, cada vez menos em valores reais. Adotou a ortodoxia
monetarista quando poderia ter feito reformas estruturais de
profundidade para gerar um ciclo virtuoso de desenvolvimento moderno.
Enquanto
os outros apostavam na produção do futuro, sucateávamos nossas
universidades e centros de pesquisas. A popularidade alta propiciada
pela participação marginal na produção de riqueza dos outros,
toldava a visão de todos e embalava os governos na frágil
popularidade de curto prazo, garantida pelas ações de natureza
compensatória e de resultados efêmeros. Faltou lucidez para
aproveitar os bons momentos e mudar o Brasil, sem mudança não
poderia haver esperança.
Há
quem possa considerar as afirmações acima como alienadas, fora do
contexto da crise da conjuntura, diletantes ou sonhadoras. Posso
estar errando nas cores, mas tenho o convencimento de que o quadro é
esse. Nada mais prático do que uma boa teoria.
Não
podemos enfrentar a crise atual, de origem no mundo da especulação
financeira, pensando em salvar o velho. É preciso ter um olho na
crise financeira mas é necessário deixar dois olhos atentos nos
novos paradigmas. Essa postura permitirá priorizar a salvação do
que tem futuro. Não é razoável combater a crise com medidas
defensivas da velha economia, o desafio é ter proatividade na saída
pra cima e para frente, dirigir os esforços para fomentar a economia
portadora do futuro.
Não
adianta olhar para trás na busca de receitas. Não adianta saborear
a falência do liberalismo, pensando no retorno a modelos com prazos
já vencidos. Não basta resgatar a frase, falsamente atribuída a
Marx – todos os internautas devem tê-la recebido - prevendo, em
1867, que o consumismo levaria à quebra e à estatização dos
bancos. É preciso sim resgatar a ciência da história no que ela
tem de poderosa ao nos permitir entender que não se pode fugir para
trás, o passado não se repete, a não ser como farsa. Vale disso
tudo apenas uma verdade: ainda é preciso o Estado, não basta apenas
o mercado. E para que os dois não fiquem sócios é inequívoca a
necessidade do fortalecimento da sociedade para controlá-los.
A
solução deverá vir de apostas fundamentadas na nova economia do
conhecimento e não nas grandes montadoras automobilísticas, serviço
de quarta categoria há muito já transferido para os países da
periferia do mundo enquanto o centro cuida de coisas mais importantes
como o projeto, o patenteamento e a logística mundial de colocação
desses produtos. Existem empregos em jogo, é lógico, para esses a
proteção social e uma vigorosa recapacitação, mas necessário
perceber que quantidades muito maiores de postos de trabalhos estão
nas micros, pequenas e médias empresas, nos arranjos produtivos
locais - as primeiras que deveriam ser socorridas. Não dá para sair
dessa crise mais dependente ainda da produção de vulneráveis
commodities agrícolas e minerais, com preços historicamente
declinantes. Produzir alimentos sim, mas focado no mercado interno,
felizmente fortalecido nas últimas décadas. Desta forma se poderá
abrir espaço para a democratização da economia agregando pequenos
produtores da agricultura familiar.
Há
que se olhar para a economia dos serviços modernos, para o turismo,
para a ampliação da produção limpa de alimentos e de energia,
apostar na nossa biodiversidade para sustentar a revolução da
biotecnologia.
Há
que se apostar na qualificação das pessoas, no empreendedorismo, em
pesquisa e desenvolvimento, que nos Estados Unidos produziu o Vale do
Silício e que no Brasil começa se formar como espaços de
competência e prosperidade no eixo UFSCar – USP – UFRJ – ITA,
este último que deu a base para a moderna indústria aeronáutica
brasileira. Essas são as principais ocupações e empregos as serem
salvas, pois são os que têm futuro.
Embora
os economistas e os analistas políticos se dividam na interpretação
da duração e de amplitude dessa crise, o fato é morrendo na praia
a marolinha, o mundo não será mais o mesmo, porque é o tsunami é
que está por trás de tudo.
FAUSTO
MATTO GROSSO
Professor
da UFMS, engenheiro
faustomt@terra.com.br
Publicado
no http://www.jornaldacidadadeonline.com.br/ em 29.03.2009
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