CMDU – 20 ANOS
Todos
nós, que aqui moramos, nos sentimos envaidecidos quando apresentamos
Campo Grande aos visitantes. No começo eles é que nos alertavam
sobre alguns diferenciais positivos da nossa cidade, como o bom
traçado das ruas, a abundante arborização, a limpeza pública e
coisas tais. Agora somos nós, por nossa própria conta, que
sentimos, dia após dia, a nossa cidade melhor estruturada no aspecto
urbanístico. O fim das favelas em área de risco e em áreas de
preservação ambiental, como resultados de uma política urbana e
habitacional adequada, é uma referência que não pode passar sem
registro. Nos limites do possível, em uma sociedade constantemente
reprodutora de desigualdades, Campo Grande, inegavelmente, vai se
safando, urbanisticamente.
Essa
situação não tem um único responsável. Nas últimas décadas,
tivemos todos os prefeitos consagrados ao final das suas
administrações. Parece ser fácil governar o município. Mas, a par
de eventual sorte na escolha dos governantes, a cidade parece ter uma
dinâmica que independe do prefeito eleito a cada mandato. A cidade
foi se estruturando sem grandes dificuldades, embora, ainda, muito
está por se fazer.
Suspeito
que esse sucesso tenha a ver com uma certa cultura de valorização
do planejamento urbano que foi se implantando ao longo dos anos. O
Plano Saturnino Brito, na década de ......, o Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado da Hidroservice (1968), a Lei do Uso do
Solo de Jaime Lerner (anos 80) foram marcos dessa construção do
sucesso urbano de Campo Grande.
Como
vereador, de 82 a 88, acompanhei intensamente essa construção que,
ao final, resultou na criação do Conselho Municipal de
Desenvolvimento e Urbanização e no Instituto Municipal de
Planejamento Urbano, completando agora 20 anos.
Campo
Grande tinha se transformado em capital em 79. Sua população
crescia a taxas anuais de 8% - população dobrando a cada 8 anos –
era preciso um esforço de ordenamento do seu crescimento para
enfrentar a especulação imobiliária favorecida por um enorme
estoque de terrenos vazios. Grandes empreendimentos eram lançados e
forçavam modificações pontuais na legislação urbana.
Lerner,
em uma posição arrojada, reservara alguns grandes terrenos vazios
centrais, de propriedade particular, catalogando-os como “área
especial”, onde só se permitia a utilização pública. Era o caso
do buracão da pedreira, da quadra em frente à antiga feira livre,
entre outras. A todo o momento tentava-se destravar essas áreas
para grandes empreendimentos privados.
Os
projetos originados do executivo visando desafetação de praças, ou
áreas destinadas a equipamentos públicos, para doação a entidades
profissionais, igrejas, clubes de serviços, eram prática corrente.
Era comum também a doação dessas áreas em pagamento das dívidas
da Prefeitura com o Instituto Municipal de Previdência, que depois
as colocava no mercado imobiliário a preço vil.
As
decisões apressadas de localização de alguns grandes equipamentos
urbanos, a rodoviária, por exemplo, causavam intensos debates na
sociedade, especialmente nos segmentos mais ligados à questão
urbana, como os arquitetos, engenheiros, geógrafos, que mobilizavam
suas entidades para questionamentos.
Um
desses projetos polêmicos foi a de um Parque de Lazer, projetado
pelo renomado paisagista Burle Marx, com restaurantes, quadras
esportivas e espaços para eventos, proposto pelo Governo do Estado,
a ser localizado no espaço onde hoje é a Reserva Ecológica do
Parque dos Poderes. A reação das entidades e lideranças
profissionais foi vigorosa, repercutindo fortemente na Câmara
Municipal, àquela época uma importante caixa de ressonância desses
debates. O Governo teve que voltar atrás.
Há
muito que a Câmara Municipal vinha exigindo estudos técnicos mais
aprofundados sobre os projetos de maior impacto e mais polêmicos. A
Comissão de Obras e Serviços Públicos, que tive a oportunidade de
presidir, era um desses focos de resistência, nem sempre bem
compreendida pelos prefeitos e não raro pelos veículos de
comunicação. Na verdade, havia por trás disso tudo um
posicionamento político, respaldado pelas entidades representativas,
de travar as discussões para forçar a criação do Instituto de
Planejamento Urbano
Essa
resistência ajudou a gestação do Planurb, que dessa forma nasceu
respaldado pela opinião pública para a realização de uma grande
missão, a de balizar o crescimento de Campo Grande, dentro de
parâmetros técnicos e de distribuição, socialmente justa, dos
benefícios do desenvolvimento.
A
grande experiência de desenvolvimento urbano ordenado, naqueles anos
oitenta, sem dúvida alguma era a que se desenvolvia em Curitiba, com
o seu reconhecido IPUC. Essa referência inspirou a criação do
Planurb.
Havia,
entretanto, uma diferença fundamental. Curitiba tinha se
desenvolvido durante a ditadura militar. O modelo era competente, mas
autoritário. Nos novos tempos democráticos o modelo tinha que ser
aperfeiçoado. Junto com o Planurb, nasce o Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano – CMDU, hoje Desenvolvimento e Urbanização.
A estruturação do Planurb/CMDU foi concebida em um importante
seminário, proposto pela Prefeitura, mas organizado pelo IAB. Desta
forma o CMDU, hoje constituído por uma ampla rede de representação
da sociedade, nasceu sobre a égide da democracia e da participação.
Logo a seguir foi aprovada a Lei do Processo de Planejamento e da
Participação Comunitária.
Nessa
época o único conselho de política pública inexistente no
município era o Conselho Municipal de Saúde, nascido com o SUS.
Hoje, na esteira da criação do CMDU, são cerca de 30 conselhos no
município, com destaque para os Conselhos Regionais.
Estão
assentadas, portanto, as bases para a construção do que,
modernamente, se chama de governança solidária local, baseada na
parceria entre o governo e a sociedade, no protagonismo e no
empreendedorismo dos cidadãos, e na co-responsabilidade na gestão
pública, especialmente nos territórios que compõe o organismo da
cidade.
Dar
esse salto, da participação para a co-responsabilidade na gestão
pública, talvez seja o grande passo que se possa ensaiar depois do
amadurecimento de 20 anos do processo de participação que se
iniciou com o CMDU.
FAUSTO
MATTO GROSSO
Professor
da UFMS, vereador entre 1983 e 1988 pelo PMDB/PCB
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