PERÚ COM CHAMPAGNE (II)
Através
dos vidros imensos, o Presidente olha o gramado do Palácio. Amanhã
começará o seu segundo mandato, após uma vitória apertada nas
urnas. Será um dia extenuante, de muita festa.
Seu
pensamento voa. Sente-se amadurecido após tantos embates, acertos e
erros. Lembrou-se de outros Presidentes. Tinha virado as costas para
o Sarney quando morreu Tancredo. Tinha virado as costas para o
Itamar após o desastre Collor. Eles que se danassem! Passado o
tempo sentia agora o quanto o tinha errado e sido pouco grandioso.
Nos
dois primeiros anos do seu governo pagara um alto preço da
inexperiência. Faltara-lhe um programa de governo claro e objetivo.
A história da herança maldita passou a não colar mais. Pensava
que a simples negação, que aprendera a fazer na oposição, lhe
credenciaria para fazer as mudanças. Enganara-se. Não bastava
honestidade de propósito. Governar é complexo, não bastava a
generalidade do “modo petista de governar”. Ninguém consegue
governar sozinho. Aprendeu isso à duras penas.
Só
conseguiu mudar esse quadro quando a crise se aprofundou em 2004.
Apelou para a Nação. Quem diria! Foi à televisão pedir “não me
deixem só!” . Pior é que se percebera só e mal acompanhado.
Mas
teve apoio da Nação para fazer as mudanças. O Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, depois de modificado, foi seu
grande trunfo para mudar o eixo da governabilidade. Firmara ali o seu
Pacto de Moncloa. Pactuou ali as mudanças pelas quais o País
clamava. No Congresso, pode então construir uma aliança, mesmo que
tática, com forças com as quais nunca imaginara poder contar. Fora
ali a sua salvação. Conseguiu uma sólida base congressual baseada
num programa de mudanças e não no toma lá da cá de cargos e do
manejo das emendas parlamentares. Conseguira se livrar daquela coisa
nojenta.
Foi
uma mudança dura, que lhe causara muita dúvida e muito desgaste.
Mas, afinal, já estava consciente que o pior era continuar como
vinha nos dois primeiros anos do governo.
Às
denuncias sobre deslizes éticos respondera com a transparência.
Orientara a aprovação das CPIs para investigar livremente as
denúncias. Tivera, é certo, que afastar seu Ministro mais
importante. Mas teve a satisfação de vê-lo voltar, depois, com a
ficha limpa. Tudo não passara de uma tempestade em copo d’água.
Mas entendeu que aquele episódio era apenas a ponta de um iceberg.
Demonstrava o grande descontentamento da Nação com a crise
econômica e com os resultados pífios do seu governo.
Naquele
momento começou a implementar uma nova política econômica que
permitira ao país voltar a crescer. Não conseguira, é certo, os
10 milhões de empregos, mas recuperou a esperança do povo. Quanto
lhe doía ver o Brasil, que tantos imigrantes acolhera, ter virado
exportador de gente.
Tivera
que bater duro contra a cultura financista da sua equipe econômica.
À política de responsabilidade fiscal, mandou sobrepor a política
de responsabilidade social. Exigiu metas de desenvolvimento social.
A
Reforma Agrária começou a andar efetivamente. Muito ainda terá
que se fazer no segundo mandato, mas o clima de guerra e de
intranqüilidade diminuiu sensivelmente no campo. A agricultura
familiar começou a dar frutos tão importantes quanto à agricultura
de exportação.
Tivera,
é certo, que enfrentar o seu partido. Anos de oposição contra
tudo e contra todos o tornara arrogante e de dono da verdade.
Trouxera isso para o Governo. Demonstrara, também, que tinha vícios
do empreguismo, foi um problema sério que teve que enfrentar. A
deformação hegemonista, que carregava, transformou-se em política
de cooptação sem princípios, não de parceiros, mas de apoiadores
interesseiros.
Teve
que colocar seu partido no seu devido lugar, fora do governo. Esse
era o principal papel do partido, aliás, de qualquer partido. O
partido que se subordina às razões de Estado, e não as razões da
Sociedade, se deforma. Governo é Governo, partido é partido. Os
dois são importantes, mas fundi-los pode levar ao mesmo desastre que
acometera a União Soviética. Se tivesse aprendido isso a tempo,
não teria perdido tantos companheiros valorosos, da esquerda do
partido.
Tivera
a coragem, também, de liderar a proposta do parlamentarismo.
Carregara durante muitos anos o sentimento de culpa por não ter, no
passado, apoiado essa luta, velha bandeira da esquerda democrática.
Tinha cedido à visão golpista de que o parlamentarismo naquela
ocasião era para barrar-lhe o caminho. Terá agora um segundo
mandato como Chefe de Estado e de Governo, mas o seu substituto em
2010 já terá funções diferentes e governabilidade baseada na
co-responsabilidade do Congresso.
Com
as mudanças empreendidas pudera recuperar os índices de
popularidade do início do governo. Isso lhe deu fôlego para voltar
novamente às ruas e as urnas. Pode associar a sinceridade do seu
discurso com a esperança que ainda despertava no povo sofrido. A
batalha foi dura, mas a esperança venceu a descrença! O povo
voltara a acreditar que o Brasil ainda era um país viável!
FAUSTO
MATTO GROSSO
Engenheiro
e professor da UFMS.
8/4/2004
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