sexta-feira, 23 de outubro de 2020

 

O RENDA BRASIL



A pandemia do Covid-19 impôs o socorro emergencial de R$ 600,00, depois reduzido pela metade, aos brasileiros pobres.  Confesso que fiquei surpreso com a capacidade de a economia permitir essa despesa temporária por seis meses. Ao mesmo tempo ficou revelada, a existência de 32 milhões de brasileiros que eram cidadãos invisíveis, não constavam dos registros oficiais. Eram cidadãos aos quais se negava o mais elementar dos direitos, o direito a ter direitos.

As previsões são de que no próximo ano os brasileiros ficarão 8% mais pobres. Está posta, pois, a necessidade da criação de uma ajuda de caráter mais estável, que tem sido chamada de Programa Renda Brasil. Congresso e Executivo trabalham essa proposta e tentam encontrar a sua fonte de financiamento.

  O Brasil tem dois grandes problemas, o da pobreza e o da desigualdade. Somos um dos países com mais desigualdade no mundo. Ficamos em 7º lugar, atrás apenas de países africanos. Recente pesquisa do IBGE (PNAD, 2019) apontou que 10% da população com rendimentos menores detinha um total de 0,8% da massa de rendimento, os 10% que concentram maiores rendimentos correspondiam a 42,9% do montante. Nesse contexto, parte do financiamento da nova bolsa terá necessariamente que sair do combate de privilégios e da concentração de renda, exigindo medidas desgastantes, como a revisão dos incentivos fiscais e a cobrança de tributos sobre as retirada do lucro líquido das empresas. Por isso, as discussões foram deixadas para depois das eleições. Fora disso, só restaria a medida de “tirar dos pobres” e das camadas médias, “para financiar os miseráveis”.

Mas para viabilizar o mercado capitalista, tem que haver maior distribuição de renda, tanto que até alguns milionários tem se engajado na defesa dessa ideia. A organização “Milionários pela Humanidade (Millionaires for Humanity)”, formada por 83 milionários de vários países, assinalam em manifesto que "o dinheiro é desesperadamente necessário agora e continuará sendo necessário nos próximos anos, à medida que o mundo se recupere desta crise", dizem. Apontam que o mundo pede mais impostos sobre os mais ricos como saída para a crise.

  É útil nessa discussão sobre a nova bolsa considerar também alguns fundamentos da economia da distribuição de rendas. Na tradição comunista, a igualdade de renda só viria em um estágio futuro, quando se lograsse uma economia de abundancia plena, seria um objetivo último (comunismo). Enquanto isso, durante a construção desse longo caminho, haveria uma distribuição segundo o trabalho (socialismo).

Já no campo liberal, destaca-se a contribuição de John Rawls (“Uma Teoria da Justiça”, 1971), que aponta que as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: vantajosas para todos (princípio da diferença), e acessíveis a todos (princípio da igualdade de oportunidades). Com essa formulação tem sido considerado um “liberal igualitário”, por aproxima o liberalismo clássico com os ideais igualitários da esquerda.

Outra formulação importante é feita pelo professor Cristovam Buarque, criador da Bolsa Escola e um dos poucos intelectuais que ousa pensar “fora da casinha”, que aponta que o Renda Brasil merece apoio, mas não tem uma consequência emancipadora da pobreza real. Seria uma espécie de neoliberalismo social. O professor aponta, em vez da “renda mínima”, a necessidade de uma “renda inclusiva” que combata da pobreza real. Seria a educação que faria a inclusão, a bolsa seria um salário à mãe para que seus filhos não faltassem às aulas.

Para Cristovam, o beneficiado que recebe uma renda mínima sem essa vinculação necessitará ser rentista para sempre, sem sair da pobreza; aquele que recebe uma renda inclusiva, com vinculação, ao final de um prazo, tem o patrimônio que ele produziu: a casa ampliada, rebocada, pintada, com saneamento; os velhos alfabetizados e os filhos educados. A renda sem contrapartidas atende às necessidades imediatas, mas a renda inclusiva  promove a ascensão social,

Fausto Matto Grosso

Engenheiro e professor aposentado da UFM


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3 comentários:

Jose Augusto Guedes disse...

Alô Fausto, bom você ter voltado a escrever. Seguinte: esse aumento da desigualdade continua crescendo, inclusive nós países ricos, com o empobrecimento da chamada classe média e não acredito que os ricos estejam preocupados com isso. Temos uma amiga de infância, pais ingleses, que fez medicina e trabalhou na Inglaterra, aposentou e reside aqui. O marido dela, foi auditor no Parlamento Britânico, e hoje faz auditorias avulsas para o FMI, impondo a qualquer país as mesmas sistemáticas. Hoje o sistema financeiro internacional impõe a mesma sistemática de administração financeira igualmente a todos os países do mundo, sem levar em consideração as diferenças existentes entre eles. Para o sistema financeiro mundial, a preocupação com as desigualdades não tem relevância, e parece que vai continuar sendo assim, talvez mude se vier uma crise mundial muito intensa que leve a uma mudança de postura.

FAUSTO MATTO GROSSO disse...

Zé, vivemos um momento de mudanças de paradigmas. O velho mundo está se transformando e o sentido geral da mudança é o desmanche do mundo velhos. N
ovas formas de dominação passarão a existir, mas deverão ser de outra natureza. O que é sólido se desmancha no ar.

FAUSTO MATTO GROSSO disse...

acho que essa é dialética das mudanças, não dá para pensar em tudo parado