OS MANIFESTOS
Já se disse que
manifesto é a arte do barulho. Estes podem ser muito úteis, principalmente
quando o som é do toque de reunir. Muitos deles mudaram a história dos povos.
Aqui, de repente, tudo
o que era sólido parece estar começando a se desmanchar no ar. A grande onda
bolsonarista, que parecia imbatível, logo poderá virar marolinha, porque
construída de ilusão e de medo. Afinal, tudo que era sagrado para o brasileiro,
está sendo profanado – a vida, o respeito às leis, a tolerância ao diferente, a
convivência fraterna e solidária, principalmente diante da doença e da morte.
As pessoas estão começando a encarar com responsabilidade uma crise que ameaça
nos colocar na barbárie, fora da democracia e da civilização.
Até agora, as ruas
pareciam dominadas pelo bolsonarismo. Hostis ao isolamento social, os bárbaros
desfilavam em hordas, desafiando as autoridades sanitárias, atentando contra a
saúde pública e promovendo aglomerações potencialmente disseminadoras do
COVID-19. Aos mais antigos, lembram as manifestações dos caricatos camisas
pardas do fascismo tupiniquim. Mas poucos dias atrás, novas cores entraram
unidas na disputa, o alvinegro do Corinthians e o alviverde do Palmeiras. É
muito pouco ainda. As manifestações não tiveram densidade de massa, porque o
isolamento social tem dificultado, mas simbolicamente, nossa cultura popular
trouxe a senha da necessidade e da possibilidade da unidade dos contrários,
diante das ameaças à liberdade e à democracia.
É nesse contexto que
surgem três manifestos importantes para a resistência democrática. O primeiro,
de profissionais do Direito, se intitula “Basta”, afirma que Bolsonaro “exerce
o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar os alicerces de nosso
sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e
Judiciário, contra o Estado de Direito e contra a saúde dos brasileiros”. O
segundo assinado pelas principais associações de juízes e procuradores do País,
que pede que haja “cautela e ponderação” de todos os que “exercem parte do
poder estatal”, para que “a democracia, construída a partir de esforços de
gerações, possa ser resguardada e aprimorada”.
Finalmente, surge o
manifesto “Estamos Juntos”, já assinado por milhares de cidadãs, cidadãos,
empresas, organizações e instituições brasileiras, convocando-nos a sonhar e
fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro.
Nele se afirma que
“como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas
disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender
a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade,
o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a
importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na
economia”.
O movimento Diretas
Já, evocado pelo manifesto, foi a maior mobilização política e social já
ocorrida no País. Ele nos trouxe o ensinamento da necessidade de mobilizar as
forças políticas de maneira ampla e suprapartidária quando existe uma causa
comum. O movimento agregou diversos setores da sociedade brasileira.
Participaram inúmeros partidos políticos de oposição ao regime ditatorial, além
de lideranças sindicais, civis, artísticas, estudantis e jornalísticas. Embora
derrotada a Emenda Dante de Oliveira, o movimento preparou as condições para a
derrota da ditadura no Colégio Eleitoral, com a eleição de Tancredo Neves e
José Sarney.
O movimento Estamos
Juntos, articulado pelo recente manifesto, está no rumo e vem na hora certa. O
apelo pela unidade das oposições começou a fazer efeito, embora em momentos
tensos sempre haja o risco de dissenções. Foi assim na Constituinte, na
Anistia, no Colégio Eleitoral. Há que se ter, portando, todo o cuidado de
manter sempre a porta aberta, afinal política é sempre movimento.
Não é fácil cumprir
esse desafio, principalmente cercados pela pandemia, mas tal é imperioso nesse
momento em que a sociedade civil começa a romper o pessimismo imobilizante em
que se encontrava. O cerco ao autoritarismo avança.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS
Um comentário:
Se não cercar, o autoritarismo se torna instituição, com os consequentes poderes advindos.
Urge restaurar a democracia plena e confiável, sem a espada de um tirano tropical a se agigantar sobre nossa liberdade pessoal,coletiva e econômica.
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