CORONAVIRUS E O NEGACIONISMO
A crise do
coronavirus, em alguns aspectos, nos remete a Idade Média, à “idade das
trevas”, com a disputa entre a luz e a escuridão. Naquele período, a dominação
religiosa impedia o desenvolvimento da razão, das artes e das ciências, criando
uma era de atraso e primitivismo. É desse período de terror da Inquisição, a
condenação à fogueira de Giordano Bruno, frade dominicano, filósofo e teólogo
italiano, por prática de heresia, por defender teorias científicas,
principalmente astronômicas, contrárias às da Igreja Católica.
Quando pensávamos que
tudo isso tinha ficado para trás, em plena sociedade do conhecimento, ressurge
a epidemia da negação da ciência.
Negacionismo é o nome
que se dá à rejeição de conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso
científico, em favor de ideias obscurantistas, radicais e controversas. É um
tipo de narrativa que não tem base no conhecimento e nos fatos e trabalha
apenas com o objetivo de negar incômodos da realidade.
Temos negacionismo
para todos os gostos. Há os que duvidam do papel do homem no aquecimento
global, apontando para um complô dos países desenvolvidos para frear aqueles
que estão em desenvolvimento. Há os criacionistas, que travam uma disputa
cultural, política e teológica sobre as origens da Terra, da humanidade, da
vida e do universo.
Duvidar que o homem foi à Lua, como acontece
com 25% dos brasileiros, ou ter a convicção de que a Terra é plana, pode soar
como motivo de piada, algo apenas cômico e inofensivo. Mas as desenfreadas
crenças nessas narrativas esdrúxulas têm sido apontadas como um risco à
democracia moderna. Afinal, o estrago provocado pelo negacionismo não se reduz
ao que se nega, representando também uma quebra de confiança em relação às
instituições e um dissenso acerca de temas que já são consensuais. A democracia
não funciona, sem confiança nas instituições, inclusive nas científicas. A ciência é principal forma de compreender o
mundo e atuar sobre ele, sob pena de vermos consensos universais serem trocados
por crendices.
Esse processo de
regressão histórica e cultural que temos presenciado, raramente é espontâneo. É
na maior parte fomentado por grupos financiados e promovidos por fabricas de
idéias (think tanks) conservadoras, grandes indústrias e poderosos políticos e
formadores de opinião.
No caso brasileiro,
grande importância tem sido exercida pelo influenciador digital, ex-astrólogo,
ideólogo da nova direita brasileira, autoproclamado filósofo, Olavo de
Carvalho, que inspira o Presidente e seus filhos. Adepto da teoria da conspiração,
entre as suas proezas intelectuais afirma, com todas as letras, que o nazismo é
de esquerda. Olavo é um santo guerreiro, montado no cavalo da ignorância, na
sua luta mortal contra o dragão do “marxismo cultural” que ele enxerga onde
houver claridade.
Amparado por essa retaguarda ideológica é que
o governo Bolsonaro, com o seu “negacionismo histórico” da ditadura e apologia
de torturadores, já produziu diversos vexames nacionais e internacionais nas
áreas de meio ambiente, educação, cultura e relações internacionais e vem
tentando descredenciar a história, a ciência em geral e a inteligência.
Na atual crise do
coronavirus, o negacionismo tem obrigado o ministro da Saúde a dispensar tempo
e energia, que seriam mais úteis no combate à doença, à luta em defesa da
ciência.
Desde o seu
autodesterro em Richmond, nos Estados Unidos, Olavo de Carvalho, que nomeou
ministros e controla a área ideológica do governo, tenta agora destituir
ministros. No dia em que escrevo (8), o autoproclamado filósofo, do alto da sua
teoria da conspiração, critica a “passividade dos generais” e declara que o
ministro da Saúde deveria ser preso porque, junto com os governadores querem
manter as pessoas em quarentena, para destruir a economia brasileira.
Haja escuridão. Será
que precisaremos ter um novo Giordano Bruno, nesta idade média que escureceu o
Brasil em pleno século 21?
Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor
aposentado da UFMS
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