DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA ESQUERDA
Um momento fundador
dos partidos da esquerda, tal como existem hoje, pode ser considerada a
Revolução de 1917 (fevereiro e outubro), liderada pelo Partido Operário Social
Democrata Russo. Esse partido acabou rachado entre bolcheviques, defendendo uma
ruptura revolucionária, e os mencheviques que propunham uma revolução moderada,
permitindo primeiro a democracia e o pleno desenvolvimento do capitalismo para
só depois implantar o socialismo. Essas foram as divergências que geraram os
partidos comunistas, em oposição aos partidos sociais democratas.
A base material sobre a qual esse processo se
desenvolveu foi a economia da Revolução Industrial, cujos reflexos produziram
no operariado “o sentimento e a necessidade de organizar-se enquanto classe,
com o objetivo de combater a burguesia”. Esse mundo mudou, por mais que isso
não seja reconhecido por certa esquerda conservadora.
Por trás da nova
realidade, uma modificação profunda na civilização: a Revolução Cientifica e
Tecnológica, que está enterrando a instituições nascidas da Revolução
Industrial, entre elas os partidos tradicionais de esquerda.
Essa nova era da
civilização, baseada nas tecnologias de informação e comunicação, as TICs,
surge impactando todas as esferas da vida em sociedade. O mundo se
globaliza. As coisas, que pareciam
sólidas, se desmancham no ar. Surgem novos valores, novas práticas e novas
regras, que demandam novas instituições.
As pessoas hoje tem
mais acesso à informação, organizam-se em redes que articulam os cidadãos em
suas lutas e demandas. Elas não precisam mais de partidos, embora estes devam
continuar existindo por conta da democracia representativa. Os cidadãos não
querem ser tutelados por organizações que representam a velha ordem. Vocês não
nos representam, gritam nas ruas! Não adianta fingir que não é conosco também.
Um mundo novo pede passagem. Ou a esquerda
se conecta, ou não terá futuro.
A polarização entre
esquerda e direita, continuará válida enquanto houver desigualdades e o
fundamentalismo liberal que pretende não apenas uma economia de mercado, mas
também uma sociedade de mercado. Essa
polarização não é mais suficiente para dar conta do mundo mais complexo. Novas
questões se colocam e a politica pensada de maneira unidimensional torna-se
insuficiente. Há um demanda por uma visão pluridimensional, considerando outras
polarizações, para responder à complexidade crescente.
Há hoje uma nova ordem
mundial globalizada. Nenhum dos grandes problemas contemporâneos pode ser
resolvido fora dela, com cooperação internacional. Isso está claro na questão
ambiental, mas também é válido para o comércio, a circulação de pessoas, os
fluxos financeiros, a articulação do conhecimento, o combate ao crime
organizado, o clima e as doenças. Nessa questão, há uma clara disjuntiva que
opõe nacionalistas, xenófobos e isolacionistas, normalmente de direita, e a
esquerda globalista, herdeira das melhores tradições internacionalistas.
A questão ambiental
contrapõem sustentabilistas e negacionistas, estes últimos não aceitam que as
ações predatórias dos homens sejam responsáveis pela destruição do planeta.
Quanto à organização da vida política, há clara contradição entre democratas e
autoritários.
Há que se pensar
também uma nova forma-partido, permeável à participação da cidadania. Não mais
partidos fechados, verticalizados, aparelhados e centralizadores. Tem que se
pensar em uma forma intermediária ente os partidos atuais e os movimentos, um
partido-movimento. Instrumento da sociedade e das suas demandas e não
pretendendo tutela-la. Aberto também às manifestações eleitorais da cidadania,
abrigando as candidaturas independentes e avulsas.
Uma organização
partidária, que se pretenda progressista, no mundo atual, tem que ter
flexibilidade organizativa e conjugar os valores da equidade, da democracia, da
sustentabilidade e do globalismo. Só assim a política poderá se libertar do
sectarismo e da simplificação. E sobreviver.
Fausto Matto Grosso,
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS.
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