O IDH, A GALINHA E O FUTURO
A
divulgação recente do Relatório do PNUD sobre o Desenvolvimento
Humano, com os valores do IDH, provocou uma sensação equivalente
aos 7 x1 da Alemanha. Menos modesto do que o Felipão, o governo,
prontamente, contestou os números – diante da doença, pretendeu
quebrar o termômetro.
O
Brasil é um país de imensa potencialidade, mas tem que baixar a
bola e encarar de frente os seus imensos problemas estruturais. A
ilusão de ser a 7ª economia do mundo (depois dos Estados Unidos,
China, Índia, Japão, Alemanha e Rússia) tolda-nos a visão de que
não somos um país rico e temos imensas desigualdades sociais e
regionais. Nossos desafios são imensos.
Mediando
nossa riqueza bruta pela população temos o 76º PIB per capita
entre os 187 paises do mundo, atrás de países como Chile,
Argentina, Uruguai, Venezuela e Costa Rica, muito perto de Cuba que
ocupa a 85ª posição. A China (101º) e a Índia (133ª), nossas
companheiras dos BRICS, também o são. A diferença é na maneira
como tratamos o nosso futuro
O
IDH surgiu para avaliar em que medida a riqueza está relacionada com
o o progresso de longo prazo em três dimensões do desenvolvimento
humano: uma vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e a padrão
de vida decente. Isso depende não só da riqueza, mas como a
sociedade se organiza para produzir o bem estar da população. A
Noruega, primeira no IDH é um país rico (5º em PIB per capita) e
organiza o seu sistema social para constuir o bem estar da população.
Uma
rápida leitura no Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2014),
que nos coloca em 79º lugar enquadrando-nos entre os países com
grau alto de desenvolvimento, nos remete para particularidades muito
importantes.
Primeiramente,
embora já sabido, a construção do IDH parte do passado, passa pelo
presente mas se refere ao futuro. A expectativa de vida (73,9 anos) e
o tempo de estudo (15,2 anos) dizem respeito a quem está nascendo
agora, se forem mantidas as tendências atuais. Daí a enfase do
documento quanto à “redução das vulnerabilidades e a construção
da resilência”.
O
termo resilência, conhecido por qualquer bom aluno de engenharia, se
refere a uma situação que pode ser exemplificada por uma vara de
salto em altura, que se verga até um certo limite sem se quebrar e
depois retorna à forma original dissipando a energia acumulada,
lançando o atleta para o alto. Esse termo se generalizou para várias
outras áreas do conhecimento e indica, no caso, à sustentabilidade
das políticas sociais diante das crises.
A
nota técnica do PNUD, que acompanha o relatório recém divulgado,
manda alguns recados para o Brasil.
Embora
nosso IDH seja o segundo entre os BRICS, ficando apenas atrás da
Rússia, nossa tendência, crescente entre 1980 e 2000, perdeu
impulso entre 2000 e 2013, enquanto a China e a Índia continuaram
com índices crescentes, projetando a superação da posição
brasileira, apesar das imensas populações desses países. Na
América do Sul, o IDH do Brasil, que tinha o maior crescimento do
sub-continente até 2008, também perdeu impulso e passou a avançar
mais lentamente do que os dos nossos vizinhos.
Outro
recado é o alerta sobre as desigualdades na distribuição do
desenvolvimento humano pela população, em nível nacional. O IDH
representa um valor médio do desenvolvimento humano. Como todas as
médias, o IDH também mascara a desigualdade. Porisso, a partir de
2010 foi introduziu o IDH ajustado à desigualdade (IDHAD), que leva
em consideração a desigualdade em todas as três dimensões do IDH.
Daí o nosso IDH de 0,744 tem uma perda de 27% e cai para 0,542, o
que representa uma queda de 16 posições no ranking internacional.
Nessa condição, o país sai do grupo de países de alto
desenvolvimento e passa ao bloco dos paises de médio desenvolvimento
humano.
Referência
especial mereceu o Programa Bolsa Família, citado sete vezes, como
exemplo bem sucedido de transferência de renda, mas o assunto divide
a opinião de integrantes do Programa das Nações Unidas, conforme
foi reconhecido pelo chefe da representação no Brasil, na ocasião
da divulgação do relatório. Para o escritório brasileiro do PNUD,
o Bolsa Família é um exemplo sem ressalvas para ser seguido por
outros países. Já escritório internacional do organismo em Nova
York avalia que a estratégia é eficaz, mas a maior parte de seus
efeitos são de curto prazo, reconhecendo-a apenas como uma
ferramenta válida para situações emergenciais, polêmica essa que
divide, também, a opinião pública brasileira onde há forte
contestação da sua eficácia transformadora.
A
divulgação do relatório do IDH, abrangendo período recente da
história do nosso desenvolvimento, feita em período eleitoral, onde
se joga o futuro do país, é um importante subsídio para se pensar
sobre as eleições. Que o futuro nos reserve estadistas, capazes de
construir projetos consistentes de longo prazo e não apenas projetos
de poder. Usando conhecida metáfora sobre o desenvolvimento, que
possamos sair do vôo da galinha e possamos alçar vôo de uma águia.
Fausto
Matto Grosso
Engenheiro
e professor da UFMS, aposentado.
31.07.2014
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