FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E HIPOCRISIA
Na
eleição de 1985, Fernando Henrique Cardoso estava virtualmente
eleito prefeito de São Paulo quando, na TV recebeu pergunta fatal
feita pelo jornalista Bóris Casoy: “Você acredita em Deus?” Ao
se declarar ateu, viu o resultado se alterar e, em seu lugar, tomou
posse Jânio Quadros.
Já
em 2004 FHC foi eleito Presidente da República sempre citando Deus
nos seus discursos. Governou inaugurando obras com agradecimentos a
Nossa Senhora Aparecida. Essa “conversão” lhe garantiu, também,
a reeleição.
Fundamentalismo
religioso é uma mistura explosiva entre religião e política.
Consiste na interpretação literal de um texto tido como fundamental
(tais como o Corão, o Talmud ou a Bíblia) que confere a seus
guardiães autoridade máxima, diante da qual nenhuma outra
autoridade pode ser invocada. A doutrina deve prevalecer sobre as
leis das sociedades democráticas. Fundamentalismos, sejam de
natureza religiosa, científica, ideológica, econômica, política
ou de qualquer outra adjetivação, são fontes de intolerância e
opressão. Não raro, de ditaduras.
A
história do fundamentalismo religioso manchou de sangue a
humanidade. Sejam as sangrentas Cruzadas contra os muçulmanos até o
reverso atentado contra as torres gêmeas em Nova Iorque. As lutas
fratricidas no Oriente Médio são provas inequívocas dos males da
intolerância religiosa.
Giordano
Bruno foi queimado na fogueira pelo crime de heresia na sua concepção
astronômica. Também Galileu Galilei, ao defender que a Terra não
era o centro do Universo, embora gravemente doente, foi chamado a
Roma onde foi julgado pelos tribunais da Inquisição e condenado a
renegar publicamente as suas concepções.
A
eleição de 2010 se processa nesse nível de intolerância sectária,
tendo como tema principal a questão do aborto. Os dois
presidenciáveis já no primeiro programa do segundo turno se
esmeraram explicitar posicionamentos “a favor da vida”, como se
pudesse haver alguém civilizado que pudesse ser a favor da morte.
A
principal atingida pelos Torquemadas requentados do século XXI foi
Dilma Russeff, que melhor se colocando quanto ao intrincado tema do
aborto, apontando-o como uma questão de saúde pública, teve que
recuar para uma posição defensiva e humilhante. Em seu socorro
veio a Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, com uma
apropriada nota pública para condenar o uso da fé cristã no
processo eleitoral. "Muitos grupos, em nome da fé cristã, têm
criado dificuldades para o voto livre e consciente", diz a nota.
Quanto
a José Serra, de que nada sei sua fé e não tenho o menor interesse
em saber, postou-se mais dentro dos cânones da ortodoxia religiosa.
Apenas fica a dúvida se foi o aprendizado com a nefasta experiência
de FHC ou se tem coerência com a sua militância na esquerda
católica nos anos 60. Nesse período Serra militou na Ação
Popular, originária da Juventude Universitária Católica e da
Juventude Operária Católica em companhia de Betinho e Sérgio Mota
e José Travassos, entre os mais conhecidos.
O
Brasil, felizmente, não tem entre os seus males a intolerância
religiosa. Tomara que continue sempre assim. Já na Constituinte de
1946, Jorge Amado, deputado pelo Partido Comunista, foi o autor do
dispositivo constitucional de descriminalizou os cultos africanos do
candomblé e da umbanda, até então tratados como caso de polícia.
Era um não crente em defesa da liberdade religiosa, dos direitos e
da cultura dos negros pobres.
Obscurantismos
a parte, precisamos é eleger um Presidente que tenha uma estatura de
estadista comporte-se como tal, dê exemplos positivos para a
sociedade, que seja o melhor para liderar a nação brasileira no
enfrentamento dos seus problemas apontando valores para a construção
do um mundo melhor. Com todo o respeito, não acho que devamos
escolher alguém para ajudar na sacristia ou nos púlpitos das
pregações.
Fausto
Matto Grosso
Engenheiro,
professor da UFMS
faustomt@terra.com.br
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