O ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO E UM POUCO DE SUA HISTÓRIA
(Depoimento
de Viagem III – Jornal da Cidade 12/02/84)
“Assim
como Cuba não pode exportar a revolução, tampouco os Estados
Unidos podem impedi-la. Ou os EUA pensam que o Brasil é Granada?”-
Fidel
Nossa
excursão chegou a Cuba no dia 29 de dezembro. Escolhemos esta data
com o objetivo de presenciar o primeiro de janeiro, no 25 aniversário
do triunfo da revolução Cubana. A festa este ano foi relativamente
modesta, sem grandes manifestações e desfiles como é típico dessa
data. Razões de austeridade, segundo nos informaram, pois, seis
meses antes já haviam sido comemorados, com grande festa, os 30 anos
do ataque ao Quartel Moncada.
A
solenidade principal ocorreu na cidade de Santiago de cuba ,
Província de Oriente, portanto a 1000 Km de Havana onde nos
encontravámos.Foi um ato solene de outorga, a esta cidade , da
condecoração Herói da República de cuba. Falou Fidel Castro do
mesmo balcão da antiga Câmara Municipal de onde exatamente 25 anos
atrás, discursara como líder da revolução vitoriosa.
Discurso
vibrante, de uma hora e meia de duração, curto para quem, como ele,
costuma fazer pronunciamentos de até 6 ou 8 horas.
Estilo
direto. Relembra as promessas de 25 anos atrás e mostra-as todas
cumpridas e até superadas. Alicerçado nessa confiabilidade, expõe
novas metas arrojadas, conclama o esforço da população para
apoiá-las e transmite a todos o entusiasmo e o convencimento de que
também estas serão alcançadas. Fala como líder , como técnico,
como político, com segurança competência e autoridade de
estadista de estatura mundial.
Conseguindo
disseminar aquele julgamento popular de que só de duas coisas ele
não sabe: dançar e cantar.
Em
seu discurso, referiu-se duas vezes ao Brasil. A primeira ao
analisar a crise do sistema capitalista mundial que nos levou da
euforia do “milagre” à grave situação econômica e social
atual, de endividamento, de perda de soberania, de desemprego, de
fome e de saques a supermercados .Afirmando que o governo
norte-americano terá que se conformar com a existência de regimes
sociais avançados no continente disse que “assim como Cuba não
pode exportar a Revolução, tampouco os Estados Unidos podem
impedi-la”. Para reforçar sua tese, citou-nos pela Segunda vez :
“ou os EUA pensam que o Brasil é Granada?”.
Apesar
do caráter restrito da solenidade principal, as comemorações do 25
aniversário impregnavam toda a vida da população. Exposições
sobre os feitos da Revolução, cartazes e bandeiras em quase todas
as residências e locais de trabalho, painéis e outdoors nas ruas,
show artísticos, inaugurações, intensa programação de rádio e
televisão alusiva à data.. Em Havana pudemos assistir também a
chegada, a oito de janeiro, de uma enorme coluna de
“pioneiros”(organização infantil de massas) repetindo a famosa
marcha do Exército Rebelde desde Santiago- a primeira capital
provincial ocupada- até a capital do país.
Estar
presente em Cuba, naquele momento, aguça nosso interesse de saber um
pouco mais sobre o que foi esta Revolução e o que são seus
líderes. Fidel Castro Ruiz, ex- aluno jesuíta, líder estudantil,
estudante de Direito, agitado e rebelde, incontrolável até pelo seu
Partido Ortodoxo, é fruto do amadurecimento de uma situação
revolucionária na sociedade cubana. Sob a ditadura sanguinária,
corrupta e entreguista de Batista crescia a insatisfação e a
resistência populares.
Tenta-se
então deflagrar o processo revolucionário. O ataque ao Quartel
Mocada, em Santiago de Cuba, um dos símbolos da ditadura
batistiana, tem o propósito de dar ao povo um sinal para a
sublevação. O assalto, liderado por Fidel, tem lugar em 26 de
julho de 1953- esta data passou a denominar o seu movimento- e
fracassa redondamente em vista da desfavorável correlação de
forças: um gruo de 150 jovens revolucionários enfrentando uma força
de 5000 soldados armados até os dentes. Três rebeldes caem na luta
e 68 são fria e cruelmente assassinados. Fidel sobrevive à captura
e se responsabiliza pouco depois , perante um tribunal militar como
chefe da ação. Seu discurso de defesa “La História me Absolverá”
de 5 horas de duração, é um verdadeiro latejo contra a ditadura.
Seus companheiros são condenados a 15 anos e Fidel a 19 anos com
trabalhos forçados na Ilha de Pinos, prisão extremamente fecunda
para sua formação e amadurecimento político.
Diante
da grande pressão popular, Batista é obrigado a libertar os
moncadistas, desterrando-os para o México. Lá chegando os
revolucionários, liderados por Fidel, reorganizaram o gruo, juntam
dinheiro e armas e em 24 de novembro de 1956, no pequeno iate
“Granma”, regressam a Cuba dispostos a reiniciar a luta. No
México, havia-se unido a eles um jovem aventureiro e asmático, o
médico argentino Ernesto Guevara a quem os cubanos apelidaram de “el
che”. Participava também Raul Castro, irmão de Fidel, e Camilo
Cienfuegos, talvez o herói morto mais carinhosamente festejado da
revolução.
O
plano de Fidel era chegar a Cuba no dia 30 de novembro, em que o
Movimento 26 de Julho havia organizado um levante em Santiago
visando controlar toda a Província de Oriente. Mas, tudo deu errado.
Um vendaval atrasou dois dias a viagem levando-os a uma região onde
já eram esperados pelos soldados de Batista. Fracassa a invasão,
fracassa o levante na cidade. Dos 81 invasores, somente 12 conseguem
sobreviver e feridos , enfermos , meio desmoralizados e mortos de
fome tomam posições na serra Maestra, a cordilheira mais alta de
Cuba (2000m de altura) , isolados de toda a população e
civilização. Reunidos os 12, Fidel lança-lhes um entusiasmado
discurso dizendo: “los días de la dictadura estan contados...”
Uma coisa é certa: por falta de otimismo , nunca quebraram Fidel.
Enquanto
isso, recrudescia a resistência nas cidades. Os trabalhadores ,
influenciados pelo Partido Socialista Popular (o antigo Partido
Comunista de Cuba, fundado em 1925), lançavam-se em longas jornadas
grevistas. Os estudantes também se insubordinam repetidas vezes e
liderados por José Antônio Echeverria, dirigente da Federação
Estudantil Universitária, ocupam em 13 de março de 1957(data que
passa a denominar um novo movimento, o diretório Revolucionário 13
de março) a emissora Rádio Relógio, e chamam o povo ao assalto do
palácio Presidencial, onde querem justiçar o tirano no seu próprio
leito. Chegam a penetrar no Palácio mas não a seguir repelidos e
grande parte dos atacantes cai na luta , inclusive seu líder.
Mas
nas regiões montanhosas da Província de Oriente o Exército Rebelde
inaugura a temporada de guerrilhas. Os guerrilheiros descem a serra,
atacam de surpresa a seus objetivos militares , inflamam a população
e aos camponeses e voltam a desaparecer, para desespero dos soldados
de Batista . Organizam sua emissora clandestina a Rádio Rebelde.
Começam a ser temidos... e compreendidos. O Partido Socialista
Popular envia reforços, ajudas e armas. O mesmo fazem o Partido
ortodoxo, os universitários e até os jovens da “Ação Católica”.
Logo
os insurgentes controlam a Província de Oriente apesar dos 20 000
soldados de Batista e da ajuda militar americana a seu governo. Cuba
se divide: o governo contra Fidel... e o povo com Fidel. Algo
incrível estava se passando: as pessoas esqueciam suas ideologias e
se uniam contra Batista. No movimento 26 de Julho havia de tudo:
anarquistas, católicos, estudantes, comunistas, crianças, jovens e
velhos. A guerrilha já não estava só. Nas cidades estava seu
complemento , sua fonte de aprovisionamento e seu apoio. Greves,
sabotagens, levantes faziam cada vez mais tremer a tirania. Essa luta
nas cidades custou mais vidas que os três anos de guerrilha da
Serra. Batista, seu exército e sua polícia, com ajuda americana,
mataram mais de 20 mil cubanos.
As
duas táticas unidas- guerrilha e levante popular- lograram em
primeiro de janeiro de 1959 seu objetivo: a derrota da ditadura,
Batista foge do país com 400 milhões de dólares, com destino à
cidade Trujillo, via Miami, é claro. O Exército Rebelde ocupa
Santiago de Cuba e em oito de janeiro já está em Havana.
O
Supremo Tribunal nomeia como Presidente a Manoel Urrutia e a José
Miró Cardona como primeiro-ministro. Pouco depois renuncia Miró e
Fidel Castro assume seu cargo.Tinha 35 anos, tinha vencido a guerra,
pretendia fazer agora a verdadeira revolução que o povo esperava.
O
novo gabinete entretanto, nada tinha de ameaçador. Compunham-no
apenas três revolucionários de vanguarda: Hart, na Educação;
Faustino Perez na Recuperação Nacional e Fidel , primeiro-ministro.
O restante era de velhos políticos e inimigos de mudar as
coisas(sobretudo de dono) e com uma só virtude: eram todos inimigos
de Batista
A
continuidade da história já é mais conhecida. A intransigência
dos EUA (desde o “liberal” Kennedy, financiador da invasão da
Baía dos Porcos), sua incapacidade de conviver com a
autodeterminação dos povos, , com as opções nacionais por
desenvolvimentos independentes, sempre promovendo em Cuba a
sabotagem, incentivando e armando grupos contra revolucionários,
estabelecendo o bloqueio econômico e diplomático com vistas à
derrocada da experiência nacional cubana, levou este país a uma
aproximação cada vez maior com o bloco socialista que veio em seu
apoio. Não aprendendo a lição, insistem os Estados unidos com a
mesma política na Nicarágua. Azar deles. A história , que já
absolveu Fidel Castro, reserva-lhes mais uma severa condenação.
FAUSTO
MATOGROSSO
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