domingo, 16 de setembro de 2018

  NÓS CONTRA ELES


   O Brasil hoje é um campo de guerra. Cada um procurando um inimigo para esmagar. Vivemos tempos de ódio e de medo. Cabe aqui a advertência de Mahatma Gandhi: olho por olho e o mundo acabará cego.
  É muito comum pessoas que, na busca de sua de sua afirmação individual, expressam sua diferença por contraposição a um “inimigo”. O inimigo dá sentido para sua vida. O mesmo ocorre com organizações políticas. Nesse sentido é a luta contra um inimigo, real ou imaginário, que as fazem existir. Mais grave ainda quando essa divisão não é feita tendo por base a ideologia, mas sim, o oportunismo eleitoral.
  Assim, surge a prática de afrontar divergentes e antagonistas, de difamar e espalhar notícias inverídicas (fake news), de agitar e chantagear, de insuflar os ânimos para agredir adversários e transformá-los em inimigos. Essas são práticas que negam a democracia e bloqueiam a vida civilizada.
  O conceito de Inimigo não serve para a política. Inimigo não é feito para falarmos com ele, e sim feito para a guerra.
  Não servem aqui, portanto, os ensinamentos do general chinês Sun Tzu, na “Arte da Guerra”, tampouco os de Von Clausewitz que associam guerra e política, orientando que a política deve ser a preparação para a guerra.
  Em uma sociedade democrática, que queremos ser, a política deve ser a prática de escutar o outro, o diferente e o divergente. É preciso despir-nos de nós próprios, de largarmos a obsessão com a nossa identidade. Na realidade, a solução de um problema dificilmente virá apenas da nossa verdade, mas sim uma nova síntese que também incorpora as verdades do adversário.
  Política é o instrumento civilizado de nos relacionar com o outro. Isso não significa despirmo-nos da nossa identidade, mas sim exploramos as possibilidades de avançar, mesmo limitadamente, onde possa existir espaço para algum consenso que permita avançar a nossa causa. Fora disso é a guerra.
  Nos últimos anos surgiu, entre nós, um partido que se afirmou com essa lógica. Todos conhecem a história e os responsáveis pelo “nós contra eles”. Nós, que representamos o povo, “eles”, os inimigos do povo. A ideia de bons contra maus, de santos versus golpistas é o caminho mais curto para a quebra do pacto democrático que nos sustenta, ou deveria.
  Aqui entre nós, a arrogância salvacionista do projeto de 20 anos de poder era uma clara demonstração de falta de compromisso com a democracia e com a alternância do poder.  Do alto da sua prepotência chegou a ameaçar “extirpar o DEM da política brasileira”, demonstrando seu desprezo pelo respeito ao pluralismo.
  Em algum momento, em alguma curva da estrada, o “nós contra eles” termina por se tornar o “eles” contra nós todos.
  Explode agora o conservadorismo e o autoritarismo. “Eles” saíram do armário e hegemonizaram uma multidão de inocentes úteis, de incautos e simplórios despolitizados, cheios de si e dispostos a construir uma nova hegemonia. Trata-se de uma regressão histórica.
  Em tempos recentes os sinais de perigo já se materializam. Em 2013 a aparição dos Black blocs, recentemente os tiros no ônibus de Lula em uma estrada do Rio Grande do Sul, também no acampamento pró-Lula em Curitiba e o deplorável atentado contra Bolsonaro.
  Que esses graves episódios, façam os brasileiros repensarem a raiva, essa péssima conselheira, e apostarem na tolerância democrática. Essa postura requer que todos encarcerem os seus demônios e mais uma vez aprendam com a sabedoria popular de que é impossível existir só pessoas boas de um lado e só más do outro.
  Também aprendamos, mais uma vez, com Mahatama Gandhi que o “fraco jamais perdoa, o perdão e uma das características do forte”.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS
14.09.2018



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