CIDADANIA LÍQUIDA
Há um crescente
mal-estar na sociedade brasileira quanto à nossa política. As pessoas não se
sentem representadas nos partidos e no Estado brasileiro.
Como diagnostica o
Prof. Marco Aurélio Nogueira, o mal-estar institucional (...), é real.
Insegurança e falta de confiança são seus principais indicadores. Hoje, no
Brasil, o sistema vive numa espécie de “caos estável”: funciona, mas está cheio
de problemas e gera pouca adesão cívica. Os cidadãos “obedecem” às regras
instituídas, mas fazem isso sem muita convicção. A adesão se faz por “gratidão”
ou receio da punição, não por algum critério racional de “respeito” ou
“apreço”.
Há pois, além da
falência das instituições, uma falência da cidadania, o outro pilar da
democracia.
Os políticos
profissionais são a contrapartida dos cidadãos que só querem “se dar bem e o
mundo que se exploda”. Essa é a combinação explosiva da crise que vivenciamos.
O campo dos políticos profissionais é o reino da sordidez, entre os cidadãos o
reino da alienação e da desinformação voluntária.
A alienação política é
aquela situação em que a pessoa se recusa a exercer, de fato, a sua cidadania;
tem total desinteresse por todas as questões públicas; pouco se interessa em
acompanhar ou investigar os atos de seus governantes. A maior parte dessas
pessoas ainda confia, cegamente, o seu destino a alguns líderes políticos,
achando que esses são os “que entendem de política e serão capazes das decisões
mais acertadas”. Enfim, elas entendem exercício do voto, mais como um peso do
que um direito legítimo.
Nas duas últimas
décadas, o mundo passou por grandes transformações entre elas o salto
representado pelas novas tecnologias de informação e comunicação – as TICs.
Essas permitiram aos indivíduos, maior independência pessoal e maior
protagonismo, que recusam a exercer.
O paradigma anterior
era baseado na cultura, instituições e valores que nasciam na produção da vida
material na sociedade industrial, ou seja, gerador de consciência de
coletividade. O novo paradigma é baseado no consumo, ou seja, em um fator
essencialmente individual, que quando exacerbado se transforma na patologia
social do individualismo. O pensador polonês Zygmunt Bauman dedicou-se, com
intensidade, à análise dessa transição e construiu o conceito de “modernidade
líquida”, contrapondo-a a “modernidade sólida” da sociedade industrial
Quando se chega à
sociedade da informação, todas as estruturas sociais e mentais surgidas da sociedade
industrial, baseadas na estabilidade, se diluem. Para Bauman, as relações
transformam-se, tornam-se voláteis. Trata-se da individualização do mundo, em
que o sujeito agora se encontra “livre” para ser o que quizer. A cidadania
torna-se líquida. A liquidez a que Bauman se refere é justamente essa
inconstância e incerteza, que derivam da falta de pontos de referência
socialmente construídos.
Na nova realidade, as
regras, instituições e valores, se diluem. As pessoas não tomam posição
articuladas na vida em sociedade. É o onanismo mental e cultural. Cada um acha
suficiente a sua própria verdade que vai se alterando ao sabor das
circunstâncias, juntando-se em ondas aqui, que se dissolvem logo ali. As
verdades tornam-se líquidas, conformando-se a cada situação, sem continuidade
histórica.
No período eleitoral
que estamos vivendo, a modernidade líquida reflete-se na transformação da luta
política, absolutamente necessária, em jornadas de raiva e intolerância, em
manifestações de incivilidade, em reinados de fake news.
Mas o que propõe o
eleitor raivoso a respeito disso: o nada, a verdade líquida, descompromissada,
cada um julga estar certo com a sua verdade e isso lhe basta. Essa mística
individualista, de fundo liberal, só pode produzir equívocos e, atualmente, é
um dos vetores do crescimento do populismo e do fanatismo. Ele não se percebe,
ao mesmo tempo, como vítima e responsável.
Fausto Matto Grosso,
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS
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