terça-feira, 21 de agosto de 2018


CIDADANIA LÍQUIDA

  Há um crescente mal-estar na sociedade brasileira quanto à nossa política. As pessoas não se sentem representadas nos partidos e no Estado brasileiro.
  Como diagnostica o Prof. Marco Aurélio Nogueira, o mal-estar institucional (...), é real. Insegurança e falta de confiança são seus principais indicadores. Hoje, no Brasil, o sistema vive numa espécie de “caos estável”: funciona, mas está cheio de problemas e gera pouca adesão cívica. Os cidadãos “obedecem” às regras instituídas, mas fazem isso sem muita convicção. A adesão se faz por “gratidão” ou receio da punição, não por algum critério racional de “respeito” ou “apreço”.
  Há pois, além da falência das instituições, uma falência da cidadania, o outro pilar da democracia.
  Os políticos profissionais são a contrapartida dos cidadãos que só querem “se dar bem e o mundo que se exploda”. Essa é a combinação explosiva da crise que vivenciamos. O campo dos políticos profissionais é o reino da sordidez, entre os cidadãos o reino da alienação e da desinformação voluntária.
  A alienação política é aquela situação em que a pessoa se recusa a exercer, de fato, a sua cidadania; tem total desinteresse por todas as questões públicas; pouco se interessa em acompanhar ou investigar os atos de seus governantes. A maior parte dessas pessoas ainda confia, cegamente, o seu destino a alguns líderes políticos, achando que esses são os “que entendem de política e serão capazes das decisões mais acertadas”. Enfim, elas entendem exercício do voto, mais como um peso do que um direito legítimo.
  Nas duas últimas décadas, o mundo passou por grandes transformações entre elas o salto representado pelas novas tecnologias de informação e comunicação – as TICs. Essas permitiram aos indivíduos, maior independência pessoal e maior protagonismo, que recusam a exercer.
  O paradigma anterior era baseado na cultura, instituições e valores que nasciam na produção da vida material na sociedade industrial, ou seja, gerador de consciência de coletividade. O novo paradigma é baseado no consumo, ou seja, em um fator essencialmente individual, que quando exacerbado se transforma na patologia social do individualismo. O pensador polonês Zygmunt Bauman dedicou-se, com intensidade, à análise dessa transição e construiu o conceito de “modernidade líquida”, contrapondo-a a “modernidade sólida” da sociedade industrial
  Quando se chega à sociedade da informação, todas as estruturas sociais e mentais surgidas da sociedade industrial, baseadas na estabilidade, se diluem. Para Bauman, as relações transformam-se, tornam-se voláteis. Trata-se da individualização do mundo, em que o sujeito agora se encontra “livre” para ser o que quizer. A cidadania torna-se líquida. A liquidez a que Bauman se refere é justamente essa inconstância e incerteza, que derivam da falta de pontos de referência socialmente construídos.
  Na nova realidade, as regras, instituições e valores, se diluem. As pessoas não tomam posição articuladas na vida em sociedade. É o onanismo mental e cultural. Cada um acha suficiente a sua própria verdade que vai se alterando ao sabor das circunstâncias, juntando-se em ondas aqui, que se dissolvem logo ali. As verdades tornam-se líquidas, conformando-se a cada situação, sem continuidade histórica.
  No período eleitoral que estamos vivendo, a modernidade líquida reflete-se na transformação da luta política, absolutamente necessária, em jornadas de raiva e intolerância, em manifestações de incivilidade, em reinados de fake news.
  Mas o que propõe o eleitor raivoso a respeito disso: o nada, a verdade líquida, descompromissada, cada um julga estar certo com a sua verdade e isso lhe basta. Essa mística individualista, de fundo liberal, só pode produzir equívocos e, atualmente, é um dos vetores do crescimento do populismo e do fanatismo. Ele não se percebe, ao mesmo tempo, como vítima e responsável.
Fausto Matto Grosso,
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS

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