VEREADORES PARA QUE?
Há
um sentimento generalizado de decepção em relação aos detentores
de mandatos eletivos. Em muitas cidades, plenários de Câmaras
Municipais chegaram a ser invadidos pela população que clamava pela
diminuição do número de vereadores, de suas remunerações ou dos
percentuais de repasses financeiros para os legislativos.
Entretanto,
em uma democracia desenvolvida, os legislativos são mais importantes
do que os executivos, especialmente nos municípios. Naturalmente não
estou falado desse parlamento em crise, mas sim de sua reinvenção.
Neste ano serão realizadas eleições municipais, o que esperar da
nova safra de vereadores, o que cobrar deles?
Muitas
são as questões a serem enfrentadas. A crise clama por uma radical
inovação nos legislativos municipais. Há um déficit de
representatividade, um déficit de afirmação da autonomia e
prerrogativas, e um déficit de qualidade do processo legislativo.
A
distância entre a sociedade política e a sociedade civil é imensa.
Na exacerbação do individualismo, que marca os tempos atuais, os
parlamentares, no geral, representam as suas próprias vaidades ou
projetos pessoais e não as opiniões existentes na sociedade. De um
lado a política virou profissão, do outro a sociedade não se
organiza para qualificar a representação.
A
palavra vereador é afim de dois termos do latim: verear e vereda.
Verear é andar pela cidade, e vereda significa caminho. O papel do
vereador é conhecer a cidade e traçar o seu rumo. Não existe
função mais importante do que essa. Entretanto, vereador,
normalmente faz campanha como se fosse prefeito e depois não cuida
da essência da função de verear, fazer e aprovar leis e fiscalizar
a administração municipal. Promete o que não pode entregar ou
acaba entregando sua autonomia ao executivo, muitas vezes em troca de
favores ou nomeações para atender a sua “clientela”.
É
necessária a transformação das câmaras municipais em caixa de
ressonância da sociedade, em lugar de encontro da democracia
participativa com a representação. Sim, porque, ao contrário do
senso comum, em sociedades complexas, onde as questões não podem
ser resolvidas apenas em decisões simplórias do tipo “sim ou
não”, o parlamento deve ser o local - e a política a arte
necessária - para a construção democrática de consensos
ampliados, em torno de interesses legítimos da sociedade. As câmaras
municipais devem ser os locais de construção de projetos de futuro
das cidades, compartilhados com a cidadania, para se obter um mínimo
de coesão social e uma governabilidade baseada em valores éticos,
cívicos e republicanos.
Fortalecida
pela representatividade, a Câmara pode afirmar a sua independência
em relação ao Executivo, rompendo com a tradição de executivos
que fazem leis, subvertendo a lógica natural, e de vereadores
alinhados segundo os pobres critérios de serem “bases” ou serem
oposição, que aviltam o papel dos vereadores.
Há
ainda o déficit de qualificação da ação legislativa. Há que se
ter também um mínimo de profissionalização nas assessorias nas
câmaras municipais, um bom exemplo disso é a assessoria do Senado.
As assessorias parlamentares não podem ser apenas o exército de
reserva de cabos eleitorais para as próximas eleições. Fiscalizar
o Executivo não é tarefa trivial, não é apenas fiscalizar a
legalidade dos atos, exige informação precisa sobre o andamento e
resultados dos programas e projetos executados pela administração,
com base em indicadores, estudos e pesquisas. Para isso, mediante
concurso público, a Câmara deve montar assessorias técnicas
competentes, talvez, até remanejando cargos de assessorias
individuais dos vereadores para viabiliza-las.
Tais
inovações são utópicas diriam alguns. Sei disso, mas respondo
associando Bilac a Galeano: “Ora (direis) ouvir estrelas. [...],
perdestes o senso! [...] eu vos direi que muitas vezes desperto [...]
abro a janela, [...] e vejo [...] a via-lactea”. É verdade, adoro
utopias. A gente dá um passo e elas se afastam um passo, mas têm
exatamente esse papel de nos ajudar a caminhar no rumo certo.
Fausto
Matto Grosso
Professor
da UFMS.
Diretor
da Fundação Astrojildo Pereira
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